sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Brechós são alternativa em tempos de crise

Consumo de peças de segunda mão é opção barata e sustentável para quem gosta de renovar o guarda-roupa sem pesar no bolso. E ainda pode ajudar o meio ambiente

Por Fernanda Pereira

Diariamente, são descartados inadequadamente cerca de 12 toneladas de resíduos têxteis, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção (ABIT). A crise econômica, aliada a esse impacto ambiental, está levando consumidores a buscar produtos de segunda mão para praticar a moda barata, consciente e sustentável. Dessa forma, brechós e sistemas de trocas de roupas estão cada vez mais populares no Brasil, pois, além de serem econômicos, não exploram os recursos naturais para a confecção de novas peças.

Foi pensando nisso que a articuladora de projetos de economia colaborativa Mariana Pellicciari, de 30 anos, criou o projeto Roupa Livre. O mundo da publicidade não a satisfazia mais e ela questionava o seu trabalho. Nesse tempo, Mariana participou, com uma amiga, de uma oficina de re-roupa (oficina de transformação de peças). “Cortar pela primeira vez um vestido e transformá-lo em uma saia e uma blusa mudou algo pra sempre dentro de mim. Juntei isso com o meu desejo de questionar o consumo como um todo e as coisas começaram a se encaixar”, diz Mariana.

O Roupa Livre cria alternativas à forma descartável de consumir roupas, buscando reaproveitar o que já existe pronto e incentivar soluções para lidar com o excesso que existe no mundo hoje.

O projeto propõe uma relação com o que as pessoas vestem por meio de eventos, cursos, livros digitais, mapeamento de iniciativas, produção de conteúdos e um aplicativo digital. “Fomos entendendo que além de fazer eventos e oficinas, onde as pessoas praticam e experimentam uma nova relação com as roupas, podíamos contribuir fornecendo informações e outras soluções para ajudar as pessoas a terem esse novo olhar para as roupas”, complementa.

Mariana acredita que é possível desacelerar os hábitos de consumo das pessoas. “Uso a nossa pirâmide de novas prioridades pra mostrar pras pessoas que outros verbos elas podem incluir no vocabulário antes de pensar em comprar”, conta.


Arte: Roupa Livre

Pensar em consumo consciente pode remeter a comprar peças atemporais, com qualidade melhor e em menor quantidade. De fato, fazer essas escolhas e refletir sobre o consumismo ajuda a aliviar o bolso, mas existem outras saídas para praticar a sustentabilidade. Comprar peças em brechó, participar de feiras de troca ou até mesmo organizar bazares são opções para a prática do consumo consciente (e barato) e para dar uma segunda chance àquelas peças que já existem.

O projeto Trocaria, que encerrou suas atividades em outubro de 2017, tinha esse propósito. Fundado pela empresária Evelise Biviatello e pela sócia Maitê Hotoshi, o Trocaria começou como um blog, evoluiu para feiras de trocas e alcançou uma marketplace online lançada no início do ano.  Tudo isso possibilitou que pessoas do Brasil todo pudessem “estender o ciclo de vida de suas roupas e acessórios de maneira consciente e colaborativa através da compra, venda e troca”, segundo Evelise.
  

A economia
A consultora em estética Gabriela Ferreira, de 20 anos, encontrou nos brechós uma forma barata de comprar peças que reforçassem a sua identidade. “Eu sempre gostei de me vestir diferente, mas não eram em todas as lojas que eu conseguia encontrar essas peças, e nas que eu achava o preço não cabia no meu orçamento”, conta. “Foi então que eu conheci os brechós e me apaixonei, porque encontrei peças com personalidade que ninguém mais teria igual e, o melhor, com um preço super camarada”, explica. Além de comprar, Gabriela também vende suas peças e essa é uma maneira de aumentar o orçamento. 

Confira os valores de algumas peças compradas por Gabriela:


R$5 cada.  Fotos: Fernanda Pereira.

Bolsa: R$3; shorts: R$5. Fotos: Fernanda Pereira.


R$3 reais cada. Fotos: Fernanda Pereira.

R$5 cada. Fotos: Fernanda Pereira.


Peças que serão vendidas em um brechó que Gabriela está organizando. Foto: Fernanda Pereira.

Embora a sustentabilidade seja uma consequência do consumo consciente, a economia é um dos principais motivos que levam as pessoas a comprarem peças de segunda mão. “Com o valor que eu compraria uma blusa numa loja no shopping, no bazar eu comprava três peças”, explica Gabriela.

A empresária Bárbara Rodrigues, de 22 anos, transformou o brechó em uma nova fonte de renda. Após passar uma fase consumista e acumular peças, decidiu criar um brechó para vender tudo isso. “Com o tempo percebi que poderia ser meu trabalho, comecei a garimpar e revender”, explica. Hoje, Bárbara é dona do Brechó Ser, que funciona de forma online. Formada em Comércio Exterior, ela trabalhava em uma consultora agrícola antes de se dedicar totalmente ao novo empreendimento, e  hoje sua rotina é outra. “Hoje em dia trabalho apenas com isso, consigo me manter e tenho horários flexíveis”, conta.

A indústria da moda é a segunda maior empregadora do Brasil, segundo dados de 2015 da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção (ABIT). O país também é o quinto maior produtor têxtil do mundo.

Para a professora universitária e economista Viviane Félix, com o aumento da prática do consumo consciente as empresas terão que se adequar e vender produtos com uma margem de lucro menor, pois as pessoas irão comprar menos produtos novos. “O setor de usados irá crescer gerando emprego, com certeza o consumo consciente irá afetar a economia como um todo”, explica.

Evelise acredita que essa nova forma de consumo pode impactar a economia de duas formas. Uma delas é a diminuição do consumo, já que compras por impulso podem perder espaço. “Por outro lado, existe uma oportunidade enorme para marcas sustentáveis, com processos inovadores e justos ganharem mercado, ou mesmo uma adaptação de grandes varejistas para processos mais sustentáveis, como é o caso da H&M e C&A”, completa.

Com a crise econômica que o país atravessa, é comum encontrar notícias que evidenciem a quebra de lojas e fábricas, mas Mariana faz uma crítica a essa abordagem. “A pauta gira só em torno da crise econômica e política sem levar em conta este fator ‘já temos demais’”. Para ela, a postura da sociedade deveria ser outra diante deste fato. “Seria muito mais transformador encarar este fato de frente e agir em busca de criar soluções de negócio para lidar com o que já existe do que tentar fazer sobreviver uma forma de produzir que não faz mais tanto sentido”, contesta.




Preconceito 
Para Viviane, essas formas de consumo consciente são ótimas opções para economizar em tempo de crise. Ela destaca que essa tendência veio de fora. “Na Europa, por exemplo, é comum as pessoas irem aos brechós. Aqui ainda existe um pouco de preconceito, mas penso que isso está mudando”, completa.

Os brasileiros estão se acostumando com a ideia e o consumo de roupas de segunda mão está ganhando espaço. De acordo com o Sebrae, nos últimos cinco anos, o segmento dos brechós cresceu 210%. Também está havendo uma variedade de seus formatos.


Looks montados por Gabriela com peças compradas em brechós. Foto: Arquivo pessoal.

A auxiliar de escritório Raquel Oliveira, de 18 anos, acredita que grande parte do preconceito das pessoas com peças de brechó acontece pelo status. “Roupas novas ou sapatos novos são considerados símbolos de status, roupa já usada parece que perde esse status”, explica. Já Bárbara Rodrigues acredita que o preconceito está diminuindo porque “as pessoas estão mais conscientes e buscando alternativas sustentáveis”.

  
O papel da internet 
A vendedora Bárbara Lopes acredita que a internet oferece grande ajuda ao sistema de brechós. Embora tenha essa prática, ela confessa nunca ter entrado em um brechó físico. As compras, vendas e trocas são todas organizadas pela internet e a entrega é feita em pontos da cidade. “Marcamos uma estação [de metrô e trem] ou terminal [de ônibus] boa para ambas”, conta.

Através da filha, a analista jurídico Symone Santos, de 48 anos, conheceu um grupo de brechó no facebook e decidiu vender peças que não lhe serviam mais. “Eu tinha muitas roupas, levantei 400 reais com peças básicas e nem acreditei”, conta. Agora ela é frequentadora do brechó Sambura, da AACD.

Mariana, fundadora do Roupa Livre, está há três anos renovando o guarda roupa basicamente em encontros de troca ou reformando peças já existentes. Para quem tem vontade de conhecer mais sobre essa forma de consumo, mas tem receio, Mariana deixa um recado. “Experimente! A primeira vez que voltei pra casa com peças novas, mas que já tinham sido usadas antes, foi aquela sensação de: ‘Gente, isso faz muito sentido! Porque eu nunca tinha feito antes!?’ Então só participando de uma troca é que dá pra sentir na pele o quanto é legal!”, finaliza. 
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