terça-feira, 28 de novembro de 2017

A "Não Violência" de Francisco


Artigo reflete sobre a expressão usada pelo papa que se refere a uma série de teorias que defendem a rejeição da violência no que tange às conquistas sociais e políticas na sociedade

Por Matheus Macedo 

OBSERVATÓRIO ROMANO / AFP




Paz ou não violência? Para Jorge Mario Bergoglio — antes, bispo argentino; hoje, Papa Francisco e líder da Igreja Católica — , estas palavras são sinônimas ou pelo menos estão lado a lado.
O termo "não violência" utilizado pelo pontífice não é uma expressão nova. A palavra se refere a uma série de teorias que defendem a rejeição da violência no que tange às conquistas sociais e políticas na sociedade. Esse princípio, utilizado por budistas e hinduístas, ficou conhecido com Mahatma Gandhi, um dos principais adeptos da “não violência”, conhecida também como “Ahimsa”.
Gandhi dizia que a não violência não consiste em renunciar a toda luta real contra o mal, mas sim em promover ações mais enérgicas para combatê-lo. Esse princípio foi sua principal ferramenta na luta pela liberdade da Índia do Império Britânico.
O cenário político internacional não é dos melhores. As tensões entre Estados Unidos e Coreia do Norte, conflitos no Oriente Médio, ataques terroristas do Estado Islâmico, crise de imigrantes na Europa e o colapso na Venezuela são exemplos de situações a serem enfrentadas pelo maior líder religioso do mundo. Não é a primeira vez que a Igreja tem um papa completamente inserido no meio de guerras e conflitos.
Foto: AFP. Papa Francisco levou doze refugiados com ele de volta para a Itália depois de visita à ilha grega de Lesbos

O último século, marcado por duas grandes guerras, além de uma possível guerra nuclear, exigiu grande esforço de mediação de alguns papas, com destaque para Bento XV, Pio XII, Paulo VI e João Paulo II, que atuaram ativamente em épocas crucias da história. Hoje, em um contexto muito semelhante ao da Guerra Fria, Francisco vem desempenhando um papel fundamental para colocar em prática a não violência.
Em agosto do ano passado, o pontífice anunciou o tema de 2017 para o 50º Dia Mundial da Paz, instituído por Paulo VI e celebrado no primeiro dia do ano: “A não violência: estilo de uma política para a Paz”.
Em sua mensagem, declarou que a expressão pode assumir um significado mais amplo e novo, não apenas representando uma mera aspiração, inspiração ou rejeição moral da violência, das barreiras e dos impulsos destruidores, mas também um método político realista, aberto à esperança.
O texto ainda indicou um caminho para a solução de conflitos por meio da negociação, não de movimentos armados. Outro ponto destacado é o apelo pelo respeito à cultura e à identidade dos povos.
Francisco apontou a “não violência” como estilo político a ser seguido. Mas não é de hoje que o líder da Igreja Católica vem colocando em prática esse pensamento. Desde 2013, quando foi eleito, ele vem assumindo uma postura reformista dentro da Igreja, além de frequentemente abordar temas como pobreza, meio ambiente, imigração e, principalmente, política.
É inegável seu papel nas relações diplomáticas internacionais. De nacionalidade argentina, Francisco conhece os conflitos que circundam a América Latina, o que o torna apto para ajudar a resolver os problemas que afetam esses países.
Destacamos três importantes atritos históricos cuja participação do pontífice foi fundamental, fomentando o diálogo e a reconciliação entre partes divergentes: Cuba e Estados Unidos, Colômbia e as FARC e a crise venezuelana.
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, Vicente Torrijos, professor emérito de Ciências Políticas da Universidade do Rosário de Bogotá, afirma que a ação política do Papa se dá em termos de diplomacia vaticana, que consiste em três pontos: mediação, facilitação e aproximação.
Torres declarou ao veículo que o Papa “alcançou uma credibilidade moral, uma credibilidade ética” em meio à atual crise política e à perda de respaldo das instituições. “Francisco recuperou a ética da política”, e isso fez com se transformasse em “um papa que é ouvido, uma figura política que é ouvida”.
Seu pontificado trouxe novos ares para a Igreja de Roma. Com ele houve mudanças de cargos, reformas econômicas, endurecimento das penas contra pedofilia e uma reaproximação com os pobres. Com a crise da imigração, o pontífice abriu as portas da Santa Sé para diversos refugiados, deixando claro a quem a Igreja serve.
Esse olhar voltado para o social tem causado grande incômodo aos setores mais conservadores da Igreja, mas Francisco faz jus ao nome que carrega. Assim como Francisco de Assis, Bergoglio busca promover mudanças fundamentais na base da Igreja. A história de ambos é movida pelo desejo de construir uma Igreja mais próxima dos pobres. Da mesma maneira que o santo de Assis sofreu resistência do alto clero, o pontífice também sofre.

Cuba e Estados Unidos




Encontro histórico entre Barack Obama e Raul Castro em Havana, selando a reaproximação dos dois países após 50 anos. Mandel Ngan / AFP

A
pesar do pontificado ainda relativamente curto, Francisco não demorou a realizar os trabalhos de reaproximação entre Cuba e os Estados Unidos. Os líderes dos dois países, Barack Obama e Raul Castro, admitiram a importância do Santo Padre para o diálogo entre as nações.


Segundo uma fonte ligada à Casa Branca, o Vaticano desempenhou papel fundamental nessa reaproximação. A abertura para um novo diálogo após 50 anos de embargo econômico — medida imposta pelos EUA no início dos anos 1960, quando o líder revolucionário cubano Fidel Castro aproximou a ilha da antiga União Soviética — só foi possível por intermédio do Papa. A fonte norte-americana afirmou ainda que Francisco enviou uma carta para Obama e outra para Raul, fazendo um apelo pela reconciliação. Nesse meio tempo, comissões dos dois países se encontraram no Vaticano para uma reunião.




A pergunta que fica para muitos é: o que havia nessas cartas que motivou os dois países, declaradamente inimigos por mais de 50 anos, a enfim estabelecer um acordo, uma reaproximação? Que apelo de Francisco pode ter sido esse, capaz de mudar uma história marcada por conflitos?

  Obama e sua delegação participam de uma cerimônia na praça da Revolução, perto da        imagem de Che Guevara / Opera Mundi

Poucas semanas depois, o pontífice desembarcou na ilha cubana, onde discutiu o embargo econômico imposto pelos EUA. Durante a visita, aproveitou para falar dos presídios cubanos, assunto que gera diversos choques entre a Igreja Católica e Cuba. Além disso, foram discutidos temas como a abertura política e econômica.

Colômbia e FARC


Presidente da Colômbia e chefe das Farc se cumprimentam após assinar o acordo de Paz em Cartagena (Foto: Fernando Vergara / AP)

O
utro assunto que recebeu a interferência de Francisco foi o fim da guerra civil na Colômbia. Os cerca de 50 anos de conflito entre estado e guerrilheiros deixaram mais de 260 mil mortos e dezenas de milhares de desaparecidos; durante o período, milhares de pessoas tiveram de abandonar suas casas à força e ocorreram incontáveis estupros e sequestros.

O conflito teve início no ano de 1964. Em meio à Guerra Fria e à polarização global entre capitalistas e socialistas, a Colômbia entrou em uma disputa de poder que provocou uma guerra civil. Nos anos 1960, ex-combatentes liberais colombianos, inspirados pela revolução cubana, fundaram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, conhecidas como FARC.
A disputa se perpetuou em meio a negócios bélicos lucrativos, tráfico de drogas e guerra de classes de camponeses contra um sistema corrupto. Outro ponto crucial desse atrito é a questão da propriedade da terra no campo.

Fonte: Folha de São Paulo.

Desde o começo das negociações de paz, o papa latino-americano declarou total apoio à conciliação, propondo aos colombianos que rompessem com o passado de violência e confrontos e se comprometessem ativamente na construção da paz. A visita de Francisco ao país no começo de setembro teve o objetivo de unir não somente a sociedade, mas a própria Igreja colombiana.


O país, que detém o 7º maior número de católicos do mundo (dos 49 milhões de habitantes, 45 milhões se consideram católicos), sofre com uma divisão dentro da própria Igreja. Em plebiscito convocado pelo presidente Juan Manuel Santos, setores conservadores católicos votaram contra os tribunais de paz como FARC, criticando a falta de punição à guerrilha pelas atrocidades cometidas durante décadas.



Durante sua visita, Francisco fez um apelo aos colombianos para que deixassem de lado a vingança e procura por interesses particulares. Em sua fala, desafiar como lideranças do país, criar leis justas que resolvessem os problemas de desigualdade. Apesar de não ter desempenhado um papel direto na resolução do conflito, Francisco contribuiu significativamente para um possível acordo entre o governo colombiano eo Exército de Libertação Nacional (ELN), única guerrilha que retem um país. Mais uma vez, o pontífice realizou seu jogo diplomático da não violência.

Papa Francisco cumprimenta o Presidente Juan Manuel Santos em sua visita à Colômbia em Setembro de 2017. Foto: Efraín Herrera

Crise Venezuelana
Fonte: Gazeta do Povo.
M
uitos podem pensar que as atitudes pacifistas de Francisco não surtem efeitos. Qual é de fato a contribuição de um líder religioso que suplica pelo fim das guerras, que pede a paz no mundo? Seriam essas atitudes questionáveis, uma vez que somente falar não resolve efetivamente os conflitos? Francisco é ouvido por todos?

Talvez seja esse o maior desafio para todos os que ouvem tais súplicas. Da mesma forma que um cristão pede a Deus por algo, Francisco faz o papel de intercessor, diplomata ou pacifista — como se preferir chamá-lo. Ele apela para que os fiéis, e até mesmo os não fiéis, atendam a seu pedido e lutem por um mundo mais justo.


A crise que afeta profundamente a Venezuela é um exemplo disso. Em diversas circunstâncias, o líder católico fez apelos ao governo e à população venezuelana para que solucionassem a questão de forma pacífica e democrática. Certamente os problemas que circundam o país não serão resolvidos tão cedo; no entanto, Francisco mostra que está atento a eles. Seu papel atualmente é pequeno, mas tende a ser maior em um futuro próximo.
Sem muitas alternativas, o pontífice apela para a ONU, pedindo que a entidade seja mais ativa dentro da Venezuela. Ao voltar de sua visita à Colômbia, declarou que a situação é muito difícil — e que ainda mais doloroso é o problema humanitário. “Há um problema humanitário que devemos ajudar a resolver. Acredito que a ONU deva se fazer ouvir para ajudar”, afirmou.

Conflitos religiosos


Foto: Gregorio Borgia / AFP

E
Evidentemente, em meio a todos esses problemas políticos, Francisco não deixaria de quebrar barreiras históricas no âmbito religioso. Durante sua viagem apostólica com destino ao México, o pontífice teve um encontro histórico com o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill (Cirilo I), em Cuba. Foi a primeira vez que líderes dos dois maiores ramos do cristianismo se encontraram desde o Cisma de 1054.


A busca pela unidade entre os cristãos é uma das principais pautas do papa. O encontro entre Francisco e Kirill não foi a única tentativa de reaproximação. Em 2017, os luteranos comemoram 500 anos da Reforma Protestante. Essa foi a oportunidade ideal para Francisco estreitar laços com a comunidade protestante. Pela primeira vez na história, um papa aceitou o convite para participar de uma comemoração desse gênero. Em outubro de 2016, Francisco viajou à Suécia para prestigiar as celebrações ecumênicas em homenagem ao aniversário da Reforma. A visita gerou indignação por parte de setores conservadores da Igreja, que condenaram a atitude do pontífice.

Papa Francisco em visita a Suécia para a comemoração dos 500 anos da Reforma Protestante. MICHAEL CAMPANELLA/GETTY

Em março, durante audiência no Vaticano, Francisco declarou que "uma comemoração dos 500 anos da Reforma nos deu a oportunidade de olhar para o passado, acabando com preconceitos e polêmicas ideológicas, discernindo o que de futuro e legítimo aconteceu e se distanciando de erros , exageros e falências ".



Em pouco mais de 4 anos de pontificado, Francisco vem refazendo o modo de ser da Igreja. É inegável que sua ideia de "não violência" tem sido aplicada com sucesso. Mesmo que penosamente, o líder da maior Igreja do mundo vem desempenhando bem seu papel, buscando uma paz e justiça na Terra. É um trabalho de formiguinha, mas que vem surtindo efeitos, ainda que imperceptíveis. No entanto, é esse trabalho que, no futuro, gerará frutos.







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