quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A resistência indígena contra os novos Bandeirantes

Políticas públicas, o papel do Judiciário e da sociedade civil organizada marcam a evolução das questões que envolvem os índios e os territórios que ocupam desde 1.500

Por Matheus Macedo

Protesto indígena em frente ao Congresso Nacional. (Foto: Laycer Tomaz)
Há mais de quinhentos anos os povos nativos do Brasil lutam pela sua sobrevivência, preservação de sua cultura, suas terras e a natureza. Durante toda a história deste país, os indígenas sofreram perseguições, escravidão, genocídio e os que restaram foram expulsos de suas terras pelo avanço do homem branco.

Quando essas terras foram conquistadas pelos portugueses, havia aqui uma população indígena superior a 5 milhões de habitantes, reduzidos ao longo dos anos para menos de 900 mil. Os portugueses, que se consideravam donos destas terras, obrigaram grande parcela desses indígenas a realizar trabalhos forçados. A escravidão foi auxiliada pela ação dos Bandeirantes, caçadores de nativos e responsáveis pela morte de diversos deles. Além disso, muitas doenças trazidas pelos europeus e africanos potencializaram o desaparecimento de um grande número de indígenas.



Segundo dados da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e do Censo do IBGE (2010), a atual população indígena brasileira é de 817.963, confinados em áreas correspondentes a 13,8% do território original que estes nativos possuíam. Desde 1500 até a década de 1970, a população de nativos decresceu, chegando a extinção de diversas etnias. Somente partir dos anos 1990, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional e o crescimento de pessoas que se consideravam indígena cresceu 150%.




Atualmente a FUNAI estipula que existam no Brasil 274 línguas faladas e o Censo mostrou que cerca de 20% da população nativa não fala o português. A entidade aponta que esses indivíduos tem enfrentando uma transformação social muito grande, tendo que buscar maneiras de garantir a sobrevivência física e cultural. Entre os principais problemas estão invasões territoriais, degradação do meio ambiente, exploração sexual, aliciamento e uso de drogas e exploração de trabalho. O que não falta são questionamentos sobre a falta de atuação do Estado em relação a esses problemas.

O antropólogo e coordenador da Pastoral Indigenista daArquidiocese de São Paulo e do Programa Pindorama da PUC-SP, Benedito Prezia, acredita que a lentidão no processo de demarcação dessas terras é devido ao grande interesse nas terras indígenas, geralmente situadas em áreas onde há minério ou rios, destinados a hidrelétricas. Em outros casos, são terras férteis, objeto de exploração do agronegócio. “São também áreas que o governo, em épocas passadas, resolveu destiná-las para projetos de colonização, como a terra dos Gurani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em 1973, com o Estatuto do Índio, o governo militar deu um prazo de cinco anos para demarcar todas as terras e não cumpriu. Em 1988, quando foi promulgada a nova constituição, foi dado um novo prazo de cinco anos e também não foi cumprido. Assim, há também uma conivência do executivo com os grupos econômicos para não avançar as demarcações”, explica.


Para o coordenador do CIMI Sul (Conselho IndigenistaMissionário), Roberto Liebgott, apesar das conquistas constitucionais, os direitos indígenas estão sob ameaça, na atual conjuntura brasileira, em decorrência da influência dos poderosos grupos econômicos-agronegócio que pressionam o governo, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário no sentido de impedir que as regras postas pela Constituição sejam cumpridas.



A Constituição Brasileira de 1988 assegura aos povos nativos a posse permanente das terras, cabendo-lhes o uso exclusivo das riquezas em seu interior. No ano 2000, foi proposto por um executivo da bancada ruralista a PEC 215, sugerindo que as demarcações de terras indígenas sejam feitas não mais pela FUNAI e sancionadas pelo ministro da Justiça, mas sim pelo Congresso Nacional. A proposta parte do interesse da chamada bancada ruralista, grupo de deputados e senadores que defendem os interesses do agronegócio.

Prezia julga que a aprovação da PEC seria um desastre, pois não haveria mais demarcação de terra indígena. Apesar de não conseguir aprovar a PEC, o governo esvaziou a FUNAI, cortou recursos, e colocou como presidente da entidade um militar que segue a cartilha dos ruralistas, aumentando os conflitos. Para o antropólogo, precisa haver mais autonomia da FUNAI por parte do poder executivo e uma vontade política do governo em apoiar os povos indígenas.

A essa proposta soma-se uma série de projetos para alterar os artigos 231 e 232 da Constituição Federal. De acordo com Liebgott, uma dessas artimanhas são as decisões judiciais que tomam por base o que tem sido chamado de “Marco Temporal”. “Isso pressupõe de que as terras indígenas e quilombolas a serem demarcadas seriam somente aquelas efetivamente ocupadas no ano de 1988, quando se promulgou a Constituição Federal. São intensas as pressões de setores agrários e ruralistas sobre o Congresso Nacional, pois as terras indígenas e quilombolas representam novas fronteiras de expansão do agronegócio”, alerta.


(Foto: Ana Mendes)

Dados do Conselho Indigenista Missionário revelam que atualmente existem 1296 terras, sendo destas 640 regularizadas - as demais se encontram paralisadas ou os processos de demarcação não foram iniciados pelo órgão indigenista.

O coordenador do CIMI região Sul assegura que no fundo dessa disputa há três argumentos que tentam convencer a população para se contrapor as demarcações. Liebgott alega que esses mesmos argumentos servem ao convencimento de políticos de autoridades do executivo e do judiciário. A primeira das três alegações é que há interesse de grupos estrangeiros nas terras indígenas e isso explicaria o empenho de ONGs e entidades na defesa das demarcações. Outro discurso utilizado é de que há muita terra para os “índios”, presumindo que eles não produzem nos locais onde vivem. A terceira justificativa é a de que não se pode a justiça demarcar as terras para os índios e deixar os agricultores e produtores, que alimentam a população, sem terras para produzir.

Um levantamento realizado pelo observatório De Olho nos Ruralistas, com base em informações do Instituto Socioambiental (ISA), aponta que pelo menos 25 projetos de lei que configuram ameaças aos direitos dos povos indígenas tramitam no Congresso - 90% deles foram apresentados pela bancada ruralista. O estudo ainda apontou que a maioria desses parlamentares responde algum processo judicial.






Guaranis Mbya
(Foto: Teresa Paris / Comissão Guarani Yvyrupa/Divulgação)
Em meio aos diversos conflitos por direitos indígenas nos últimos anos, o caso recente que chamou atenção foi a anulação por parte do Ministério da Justiça da portaria nº 581, de 2015, que garantia mais de 500 hectares de terras guaranis no Parque do Jaraguá. Segundo o Ministério, a anulação se deu por erro administrativo no procedimento inicial.

O texto emitido argumenta que a área “foi demarcada sem a participação do Estado de São Paulo na definição conjunta das formas de uso da área”. De acordo com o governo a terra indígena do Jaraguá tem extensão aproximada de três hectares.

Liebgott afirma que essa revisão ocorreu em função de dois fatores essenciais.  “O governo tem a intenção de conceder partes da área para s especulação imobiliária e com o intuito de atender aos interesses econômicos que visam à exploração dos parques e áreas ambientais, dentro da lógica neoliberal de privatização. A revisão da demarcação daquela terra ocorreu para atender, portanto, pedido do governo de São Paulo, que pretende entregar aquela região toda para a iniciativa privada”, explica.

















Em 2016, o governo estadual enviou um decreto à Assembleia Legislativa privatizando todos os parques estaduais, incluindo o do Jaraguá. De acordo com a lei, os parques serão concedidos por 30 anos para a exploração dos serviços como o ecoturismo, além da exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais.


Por outro lado, existe outro empecilho que dificulta a conclusão do processo de demarcação dessas terras. Desde 2005, a família de Tito Costa, ex-deputado federal e prefeito de São Bernardo do Campo (SP), alega ser dono de uma parte de onde ocorreu a ampliação da área do Jaraguá onde está a aldeia Itakupé.


Atualmente a reserva abriga cerca de 700 nativos de cinco aldeias. Reportagem feita pelo G1 mostra que moram mais de 140 famílias no local com muitas crianças. Antes de aprender o português, elas aprendem o guarani. Faltam recursos naturais para esses indígenas - os índios vivem em condições precárias, morando em casas feita de chapas de madeira e chão de barro. Algumas famílias fazem e vendem artesanato, muitas recebem o Bolsa Família.




A revogação da demarcação causou uma série de protestos por parte da aldeia e de movimentos que apoiam os indígenas. No final de agosto de 2017, um grupo de índios e diversos outros movimentos ocuparam o vão livre do MASP, em seguida saíram em caminhada pela Av. Paulista até a sede da Presidência da República. Os indígenas chegaram a ocupar o hall de entrada do prédio.




No mesmo dia, indígenas acamparam em frente ao Ministério da Justiça em Brasília em protesto contra a decisão do governo de reduzir a área da reserva. No dia 13 de setembro, os indígenas ocuparam o pico do Jaraguá como forma de protesto, chegando a desligar antenas de rede, deixando mais de 600 mil pessoas sem televisão.


(Foto: Luiza Calagian/Comissão Guarani Yvyrupa)

A luta pela revogação da portaria nº 683, do Ministério da Justiça, ganhou adeptos nas redes sociais, que subiram a tag “Jaraguá é Guarani” no Twitter com milhares de Tweets, além de eventos e publicações no Facebook. Questionado sobre o papel da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de São Paulo, o coordenador Benedito Prezia alegou que desde 1999 a pastoral tem contato direto com a aldeia do Jaraguá, procurando orientar e apoiar essa comunidade no sentido de reivindicação de um espaço maior. Prezia ainda afirmou que, após a ampliação da área em 2015, o grupo tem enviado algum recurso material para as famílias que estão na nova aldeia Itakupé.

Na ocasião, a pastoral participou dos atos na Av. Paulista, além de emitir uma nota de repúdio por meio da Comissão Caridade, Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, encampada por outras entidades e movimentos.


(Foto: Comissão Guarani Yvyrupa/Divulgação)

Em nota, a Comissão declarou que a “portaria é mais um ato violento contra os povos originários do Brasil, e ironicamente sobre um povo que vive às margens da rodovia dos Bandeirantes, referência e perversa homenagem a seus antigos algozes. E mais uma vez tornam-se vítimas de uma política discriminatória, emanada de um governo que deveria, sim, pagar uma dívida histórica, em reparação à prática genocida dos bandeirantes paulistas”.

O texto prossegue reafirmando o repúdio ao decreto do governo e declarando o total apoio das pastorais sociais da Igreja Católica e organismos cristãos comprometidos com a causa indígena.

Na noite do dia 15 de setembro de 2017, os índios Guarani encerraram a ocupação no Pico do Jaraguá após um acordo com o Governo do Estado. As lideranças indígenas se reuniram com representantes das Secretarias do Meio Ambiente, Segurança Pública e da Justiça e da Defesa da Cidadania. O acordo feito define que o parque não será privatizado, reivindicação dos indígenas, além de não criminalizar as lideranças que participaram dos atos. A reunião também estabeleceu uma comissão intersecretarial para tratar das reivindicações das aldeias indígenas. Apesar do acordo, as tribos ainda lutam para que a Portaria nº 581 seja revogada.

Reivindicações indígenas

As questões envoltas aos indígenas não se resume as demarcações de terra. Diversos outros assuntos foram apresentados e discutidos, mas pouco se fala das propostas apresentadas pelos povos indígenas e comunidades quilombolas.
As exigências são direcionas a Presidência da República, Congresso Nacional e ao Poder Judiciário. 

Abaixo algumas das exigências:
Presidência da República
·    Retomada de todos os procedimentos de demarcação de terras paralisados pela presidência da república no ano de 2013;
·        Garantia de orçamento para retomada dos grupos de trabalho da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), para demarcação dos territórios indígenas.
·         Garantia de orçamento para titulação dos territórios quilombolas; 
·         Suspensão do Parecer 1 da AGU que impõe condicionantes ao uso dos territórios.

Congresso Nacional
·         Arquivamento imediato da PEC 215/2000 que visa impedir a demarcação das terras indígenas, pois repassa a responsabilidade ao Congresso Nacional, espaço onde não tem representação dos povos, a decisão sobre reconhecer territórios indígenas e quilombolas; 

Poder Judiciário
·         Que haja, por parte de juízes e magistrados, justa e adequadas decisões no que tange as ações possessórias e de reintegração de posse movidas contra famílias pobres e que lutam por moradia nos espaços urbanos;
·         Que no âmbito da Justiça Federal, nos Tribunais Regionais, no STJ e STF, sejam revogadas as interpretações restritivas de direitos dos povos indígenas e quilombolas, especialmente no tocante ao marco temporal da Constituição Federal de 1988, tese jurídica desproporcional, pois afronta direitos originários e tradicionais de indígenas e quilombolas. 
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