terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Cleusa, a psicologia e os mundos

Por Maurício Lisner Leal de Menezes


“O mundo progride com a evolução das pessoas”. Dá para levar para o lado otimista ou para o lado pessimista essa frase. Quem disse foi a Cleusa, nossa humanista em questão.
Professora universitária, escritora do blog Gênio Criador (e dona de editora de livro do mesmo nome) e psicóloga, Cleusa Kazue Sakamoto nasceu em Guarulhos, São Paulo. Despertou sua atenção aos mistérios da psique humana ainda cedo: uma criança com muitas perguntas e uma bagagem emocional talhada precocemente.
Aos três anos de idade, sua irmã de sete anos faleceu.
“Minha tia me disse que papai do céu tinha chamado minha irmã e perguntou se eu queria vê-la. Fui, porém, não tenho a cena da minha irmã morta na minha cabeça”, conta a professora, guardando inocência à lembrança infantil, fragmentada e distante.
Com o falecimento da irmã, Cleusa não visualizava ainda o significado de morte. Nasceu assim a primeira questão que veio a tomar mais formato e ser interpretada seis anos depois, com a morte de sua avó. Elas dormiam no mesmo quarto.
Desta vez, ao contrário da primeira perda, a psicóloga sentiu maior impacto. Teve medo de ficar no escuro. Usou o medo para se informar, lendo livros e conversando sobre o assunto.
Ela queria entender quem é o ser humano, influenciada pela sua curiosidade pelas reações que observou nas pessoas ao seu redor perante a acontecimentos.
Antes de entrar na faculdade, se sentia dividida entre três cursos. Jornalismo, porque gostava de escrever. Educação física, porque foi atleta. Psicologia, porque tinha uma sensibilidade aguçada e afinidade ao ser humano.
“A melhor coisa do mundo são as pessoas, mas são a coisa mais difícil também”, diz a professora. Lidar com seres humanos é reconhecidamente complicado até por quem é especialista nisso.
As questões pessoais e intelectuais de Cleusa falaram mais alto, então ela ingressou no curso de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) em 1976, iniciando uma expansão ainda mais intensa e buscando respostas.
A voz de Cleusa tem um tom de curiosidade e fascínio até hoje. Como se tudo fosse novo o tempo todo.
Apesar de ter se especializado e ter encontrado diversas respostas, a psicóloga continua sendo uma forte adepta do ‘será que’ nas frases. Se perguntar ou refletir sobre algo com Cleusa, as chances de receber respostas carregadas de novas dúvidas são enormes. Você provavelmente se sentiria mergulhando em espiral na sua existência e pouco depois tomaria um café sozinho pensando onde foi que nasceu alguma questão da sua vida pessoal ou da própria vida em sociedade.
A criança esperta e questionadora em Cleusa não é recente, mas é sempre atual. Quando era pequena, sua professora aconselhou aos pais que ela pulasse uma série na escola. Estava adiantada nos quesitos cognição e sensibilidade de acordo com a faixa etária.
A psicóloga não esconde apreço às dúvidas e complexidades humanas que pedem por soluções.
Às sextas-feiras, ela reserva uma hora antes do horário de aulas na FAPCOM (Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação) em uma sala para fazer uma roda de conversa com quem quiser chegar. Pode falar sobre o que quiser. Tema livre que vem a ser um prato cheio para que os universitários partilhem seus dramas, incômodos e conflitos pessoais e suas lamentações. Alguns surtados com a rotina de conciliar trabalho, vida e TCC. Outros decepcionados com problemas de empreendedorismo.
Em um dos encontros semanais, um universitário que deveria ter por volta de seus 23 anos chegou lamentando por sua venda de lanches na faculdade não ter dado certo. A roda inteira escutou e eu próprio caí na tentação de dar uma sugestão, indicando que talvez vender lanches naturais ou doces caseiros pudesse funcionar melhor. Provavelmente ele não levou em consideração.
O seu gosto pela profissão da psicologia, conclui a professora após anos de carreira, é atender pessoas que tenham interesse real em ser melhores.
Existe uma dúvida quase folclórica sobre como é viver sendo um psicólogo, já que a vida é feita mais de relações sociais do que de qualquer outra coisa. Cleusa responde: é normal. “Eu vivo normalmente. Deus me livre ficar fazendo análises o tempo todo... Seria muito cansativo!”
Apesar de admitir que não “faz análise o tempo todo”, Cleusa admite que inconscientemente acaba usando os seus recursos proporcionados pela experiência com relações humanas: “Às vezes capto as coisas talvez de forma até não consciente. Ou, às vezes eu bato o olho, até pelo jeito, já simpatizo”.
O que ela mais gosta na profissão é de atender diversos tipos de pessoas, que demonstram uma vontade real de mudar e melhorar. Enquanto quem vê de fora pode pensar que a psicologia é uma imersão em problemas alheios, Cleusa vê mais como uma imersão no que o ser humano tem de mais interessante e melhor.
A psicóloga é otimista, mas, assim como qualquer um, também tem preocupações. Cleusa contou que sente que os jovens hoje em dia andam um pouco vazios e alienados.
“Eu estou um pouco abalada e descrente do ser humano. Já conheci muitas pessoas maravilhosas, com uma espiritualidade incrível e também gente muito ruim. Porém, agora, estou vendo gente muito vazia. Muita gente do mesmo tipo, descompromissado, vazio de princípios e muito materialista”, diz Cleusa deixando de lado, dessa vez, aquele tom de encantamento e fascínio.
O ser humano é um animal que transcende a biologia, eleva sua complexidade à psicologia. Simplesmente observar, para quem sabe ver, pode ser um passatempo incrível.
O que você tem observado? Você já conversou com um psicólogo? Conversar com um psicólogo não é o mesmo de se consultar com um. Enquanto uma consulta vai falar do seu mundo, uma conversa vai falar do mundo. Ou melhor, dos mundos.

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segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O professor hiperativo e engajado

Por Júlia Bortoleto

Luiz de Camargo Pires Neto, atualmente professor na FAPCOM e Fecap, formado em Comunicação das Artes do Corpo, Doutor e Mestre em Filosofia, possui um jeito especifico de dar aula, com certa unanimidade entre os alunos: o educador é conhecido como “estabanado”, com o costume de derrubar coisas durante a aula e tropeçar sozinho.

O professor, dono do tique de passar a mão no cabelo e não conseguir ficar quieto, normalmente pode ser encontrado durante os horários entre as aulas na porta da faculdade fumando um cigarro ou com uma garrafa de 1 litro de suco, de acordo com relatos de quem frequenta a FAPCOM. 

Luiz conta que resolveu focar suas pesquisas no pensamento contemporâneo, com destaque para as ideias de Michel Foucault, filósofo conhecido pelas teorias que abordam a relação entre poder e conhecimento (e como isto é usado como uma forma de controle social por meio de instituições sociais). Partiu desta primeira relação para que sua tese do Doutorado pudesse desdobrar-se em diversas áreas, como Filosofia Contemporânea, ensino de Filosofia, Comunicação, Arte e Inovação.

O ex-estudante da PUC-SP coleciona elogios de diversos estudantes que foram entrevistados, chegando até cativar um certo amor platônico por parte de alguns. Suspiros como “Ele é o amor de minha vida”, "Um fofo” ou “Um nenê” aparecem entre os corredores da faculdade.

Em suas aulas, defende o pensamento crítico e não concorda muito com sistema de provas. Gosta de passar atividades durante o curso, com o intuito de perceber se o aluno entendeu o que ele gostaria de transmitir. Com o costume de levantar da cadeira, andar pela sala e sentar novamente, algumas vezes até cair, costuma falar alto e dar uma entonação na fala, a fim de ressaltar o que acredita ser mais importante na própria forma de se expressar, além de costumar proporcionar um silêncio, de certa forma reflexiva, no final das frases.

Ativismo digital
Nas redes sociais, costuma postar questões reflexivas, que defende, como uma “premissa básica para um Estado democrático, laico, justo, fraterno e igualitário” e sobre a relevância do diálogo, já que acredita que o que mais importa atualmente é escutar.

O professor também manifestou-se contra ações policiais e da Justiça Eleitoral em universidades relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, destacando o interesse em política, muito usado em exemplos dentro da sala de aula. Elogiou a nota da PUC em defesa da democracia e da liberdade e questionou o significado de ser professor.

Ativista no Facebook, chegou a declarar o voto das eleições publicamente e sempre publica textos de sua autoria abordando, como a defesa de minorias e os direitos dos professores. 

“Espero que pensar não seja considerado crime, pois é do esvaziamento do pensamento que surge o mal travestido de boas intenções. Espero que a educação possa prevalecer diante da desinformação, das mentiras e dos abusos de poder, pois somente assim atingimos a liberdade. Espero que almejar igualdade, respeito e paz não seja objeto de condenação, porque, com a morte deste desejo, morrem também a esperança, a nossa humanidade e os nossos sonhos”, enfatiza o educador.
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Do gosto pela arte à personalidade maternal

Por Yasmim Pereira

Dizer que Isabel Orestes é Doutora em Comunicação e Semiótica, Mestre em Artes Visuais, Bacharel em Pedagogia e pesquisadora com dezenas de publicações é muito formal. Ainda mais que a maioria dos alunos preferem chamá-la simplesmente por Bel, apelido com apenas três letras e som aconchegante igual à outra palavra reveladora de sua personalidade: mãe. Mesmo com tantos títulos acadêmicos, o lado maternal é marcante. “Nossa professora, você parece a minha mãe. Posso te dar um abraço?” é uma das frases mais emocionantes que ela diz já ter ouvido de um aluno.

As roupas coloridas e estampadas, o cabelo sempre bem penteado e a maquiagem delicada no rosto compõem o visual de Bel, professora na FAPCOM e na Universidade Presbiteriana Mackenzie. O significado da vaidade não é meramente pela aparência, mas retorna à infância na cidade de Itapetininga no interior de São Paulo, onde ela nasceu e viveu com os pais e os quatro irmãos. Ouvir das colegas de turma na escola que sua mãe era muito bonita enchia o coração de Bel de orgulho e aumentava sua vontade, de algum dia, ser como sua mãe. O salto alto e o batom fazem parte dessas memórias.

Na capital paulista, a cidade que nunca dorme com seus mais de 12 milhões de habitantes, repleta de arranha-céus, prédios, lojas, trânsito parado e uma multidão sempre apressada. Bel encontrou um modo de trazer o colorido do interior, para sua rotina. Em meio a esse cenário monocromático e até caótico para quem não está acostumado com o jeito paulistano de viver, em cada cantinho de sua casa, ela imprime cor com quadros e pinturas, que na verdade são extensões dela própria.

Para Bel, a cor não é apenas um apelo estético. “É o modo como também eu me relaciono com a vida”, explica. O desabrochar de flores brancas, laranjas e rosas, junto com o fundo levemente pintado com tons de amarelo em uma moldura na parede da sala, exprime o otimismo do seu olhar para a vida.

Uma casa nas encostas de um lago rodeado de grandes árvores e uma ponte pode parecer apenas um belo quadro pintado. Mas basta entender um pouco da história de Bel para imaginar que a ponte indica uma transição importante de uma rotina tranquila no interior para a agitação da “cidade grande”.

Em um passeio pela capital, uma placa chamou a atenção de Isabel: precisa-se de auxiliar da Educação Infantil. A proposta pareceu interessante para uma jovem solteira de 19 anos com o Magistério recém-terminado. Após alguns dias, ela foi chamada para preencher a vaga. Em uma época em que a mulher só poderia sair de casa após o casamento, a notícia causou um choque na família, mas a decisão já estava tomada. "Eu vou, foi minha palavra final", recorda-se.

Os traços de uma família 
Ao acaso ela reencontrou um conhecido em São Paulo. Da forte amizade, o matrimônio ocorreu em seis meses. “O casamento era a porta de entrada para você ter o consentimento dos pais. Eles não entendiam uma filha sair de casa para trabalhar. Naquela época, pensavam apenas que lugar de mulher era em casa, sendo dona de casa”. Ao lado do marido, comemorou Bodas de Coral, 35 anos de casados, essenciais para ela, que garantiram apoio e amor para construir uma família.

A natureza geradora de vida é fonte de inspiração para suas pinturas e suas maiores obras-primas: os filhos Guilherme e André. Ela conta que o mais velho foi muito bem planejado e chegou enquanto era estudante de Artes Plásticas. Nas aulas da faculdade, estudava obras clássicas que retratavam a maternidade, como “Pietá”, de Michelangelo, até “Mãe”, de Joaquin Sorolla. Porém, diz que só entendeu o mistério quando o experimentou.

Isabel teve uma experiência de espiritualidade com a maternidade. “É a melhor escultura. Claro que eu não fiz sozinha, foi uma intervenção divina incrível”, fala com voz serena sobre a chegada de Guilherme. Já André, o caçula, é para Isabel sua outra metade ou como ela gosta de dizer: “o espelho das minhas virtudes e fraquezas”.

A carreira profissional de Isabel acompanhou o crescimento dos filhos: de professora do Ensino Infantil até Arte Educadora. Ela também deu aulas para Guilherme e André. Apesar da carga horária de 40 horas semanais de trabalho, como docente universitária, ela relata cheia de felicidade uma das frases do filho: “Você trabalha tanto, mãe. Mas eu não sinto a sua ausência. Você sempre é e foi presente”.

A rotina de trabalho continua agitada, mas o desejo para o futuro é desacelerar. Mesmo com aquela sensação contemporânea de que sempre tem coisa atrasada para fazer, conta que vive um período de introspecção para questionar se vale a pena todo o acúmulo de tarefas. “Sou extremamente realizada. Eu me acho uma mulher plena de sentido, de significado, de contentamento, não preciso de mais nada. Tudo que for a mais hoje, está me sufocando". Agora vive um retorno às raízes, à essência e simplicidade.
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Ela ama bichos, viajar o mundo e sonha em voltar a viver no campo

Por Erik Narciso Vernizzi

Marcia Furtado Avanza costumava ler sempre a tradicional coluna de poemas que seu pai escrevia para o jornal de Vitória, no Espirito Santo, quando estava em casa ou na fazenda de cacau da família. Outra recordação da infância é que costumava passar todos os fins de semana e férias brincando com seus amigos. “Não havia luz elétrica e a comida era feita no fogão à lenha. Tenho muita saudade”, relembra.

Marcia nasceu em 06 de agosto de 1957, em um sábado, no bairro das Goiabeiras na capital capixaba, local em que viveu sua infância junto com seus pais e seus irmãos. 

Quando criança, estudou nas escolas municipais do bairro. Um tempo depois, seus pais se separam e precisou crescer muito rapidamente. "Minha mãe morreu muito cedo (era o grande amor de minha vida) e fiquei praticamente só. Meu pai já morava longe e nunca ligou muito para os filhos”, conta. Foram tempos difíceis. “Construi minha vida sozinha”, orgulha-se a atual professora e coordenadora do curso de Jornalismo da FAPCOM.

Marcia sempre amou os animais. Hoje mora com 13 cachorros, dois macacos e um papagaio. São considerados seus bebês. “Até cuido mais deles do que dos meus filhos, que já são adultos”, diz. Os animaizinhos dão cor e brilho aos dias de uma menina que quando pequena ainda na fazenda parava para ouvir o canto dos pássaros. A jornalista hoje tenta matar um pouco dessa saudade cuidando dos seus animais como membros da família. “Os cachorros dormem comigo (todos os que cabem na cama). Os macacos e o papagaio ficam em um viveiro, mas soltos: entram e saem. Gostaria de morar em uma chácara para que eles tivessem mais espaço”, fala.

Ela conta que decidiu ser professora por acaso. "Fiz mestrado porque queria ser uma jornalista mais competente na área do jornalismo científico. Na semana em que defendi a dissertação, uma das professoras da Escola de Comunicação da USP, Margarida Kunsch, convidou-me para começar a dar aula. Foi o meu primeiro contato com os alunos", conta. Daí para frente não parou. Depois de apaixonar-se por dar aulas, virou coordenadora, depois diretora nas Complexo Educacional FMU  FIAM-FAAM, onde trabalhou por quase duas décadas. Desde 2016, encara a jornada dupla como professora e coordenadora do curso de Jornalismo na FAPCOM. Aos 61 anos, diz que hoje "leciona, educa e resgata a autoestima de alunos". Já que ensinar, para ela, não é apenas transferir conhecimento, mas criar possibilidades para que pessoas possam produzir seu próprio conhecimento ou a sua construção. 

“Eu me orgulho de minha trajetória. Estudei, fiz concurso, ganho razoavelmente bem, nunca dependi de ninguém. Casei duas vezes e nunca recebi pensão (risos!). Consegui criar meus filhos e tenho orgulho deles. Amo viver com meus animais. Honestamente, me sinto orgulhosa de onde cheguei”, diz.

A professora diz que adora o que faz, mas que, profissionalmente, queria diminuir um pouco o seu ritmo. “Não quero parar. Gostaria muito de morar na roça. Até procurei uma fazenda de cacau na Bahia, não para ganhar dinheiro, mas para sobreviver e poder criar meus bichos longe da loucura da cidade. Acho que isso é saudade da infância”, conta.

Quando perguntada sobre o que planeja para o futuro, Marcia sorri e faz planos: “Ainda me falta conhecer alguns países pelo mundo. Quero muito viajar para o Alasca e para os países nórdicos - Dinamarca, Suécia, Noruega. Gosto muito do frio".

O sentimento de conhecer diferentes culturas enche seus olhos de alegria. E depois de revelar seus planos como viajante, ao final de nossa conversa, Marcia abre um sorriso imenso e termina: "Gosto muito do que faço. Amo o jornalismo e adoro ter alunos parceiros”. 

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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Flores de Outubro

Por Luana Gasparotto, Mariana Nogueira e Raisa Cavalcante


Flores de Outubro:
Histórias de superação e empatia com mulheres que tiveram câncer de mama




Em um exame de rotina realizado em 2015, Débora Pieretti foi diagnosticada com câncer de mama. Ela não apresentava nenhum sintoma e não sentia nenhum incômodo, porém, em outubro daquele ano, o resultado da biópsia confirmou as indicações da mamografia e do ultrassom. Débora viu sua vida se transformar em piscar de olhos, e de repente a quimioterapia e a radioterapia começaram fazer parte de sua rotina.

Em fevereiro do ano seguinte, ela participou de um evento para pacientes oncológicas. E enquanto cortava seu cabelo, Débora ganhou uma peruca. Emocionada com o gesto, decidiu que faria algum projeto para que as mulheres obtivessem perucas gratuitamente e sentissem mais acolhidas.

Depois de meses trabalhando pela causa e levantando autoestima das mulheres no tratamento quimioterápico, ela lançou em março de 2017, o Instituto Amor em Mechas - Transformando vidas. E com quase dois anos de existência, já foram doados mais de 750 kits.

Confira o recado que a Débora Pieretti tem para você.



Outro projeto do bem

Reconstituição gratuita de aréola em estúdios de tatuagem

Durante o Outubro Rosa, são feitas campanhas em todo mundo para alertar sobre a importância da detecção precoce do câncer de mama. A doença atinge mais de 57 mil mulheres no Brasil, tirando não apenas parte do seio ou a mama inteira, mas sim a autoestima das vítimas.  

É possível encontrar estúdios em São Paulo com profissionais especialistas em redesenhar a região da aréola, usando técnicas de tatuagem. Os tatuadores utilizam a mesma tinta da tatuagem, fazendo com que o desenho dure mais tempo e não seja necessário o retoque. O estúdio Led’s Tattoo, localizado em Moema, faz sessões grátis para mulheres que tiveram a doença. São cerca de 10 horários reservados por mês, mas em outubro a equipe reserva 20 espaços na agenda. Fora do mês especial o custo do procedimento costuma sair por volta de R$ 700.

Uma luta de espinhos

Celia Regina de Macedo Tanus, 64 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama através de um exame de mamografia feito como rotina. A informação, que veio de repente, a deixou assustada. Foi encaminhada para mastologista e descobriu que eram microcalcificações e precisava fazer mastectomia preventiva mamária - cirurgia de retirada da parte interna da mama para que não ocorra a formação de um tumor. Entretanto ao terminar a consulta, a médica afirmou que apesar dela atender o convênio de Celia, só realizaria o procedimento ao lado de um cirurgião plástico particular. A notícia veio como um choque financeiro: ”Senhor, eu estava com um problema, agora estou com dois”, pensou ela ao olhar o céu da Avenida Paulista após a consulta.

Vinda de uma família religiosa, desde cedo foi ensinada a ter fé e acreditar em milagres divinos. Dessa forma, encontrou em Deus um refúgio que a fez acreditar no que parecia impossível naquele momento: sua cura. Mesmo pensando diversas vezes que o câncer poderia matá-la, acreditou em uma força maior. Em menos de uma semana, sua cunhada levou até ela a informação de que uma conhecida fazia tratamento pelo SUS e a encorajou para tentar o mesmo e foi assim que tudo começou.


As flores também precisam de água ou lágrimas

A ficha do diagnóstico só caiu na primeira consulta com o oncologista, para saber quantas quimioterapias iria precisar e como seria o tratamento do câncer de mama.

Seguiu chorando até o consultório do médico e lá ele se fez racional, visto que já tratou outros casos de câncer. “Olha, eu vou morrer, a senhora vai morrer, todos vão morrer e isso é fato”, lembra Celia Regina das palavras do médico. Imediatamente engoliu o choro e ele continuou: “Mas nós temos aqui um tratamento, o que tem de melhor hoje para oferecer e será usado na senhora”, incentivou. As lágrimas tomavam conta dos olhos azuis de Celia, porque aquele dia, segundo ela, foi a última vez que derramaria lágrimas pela doença que estava enfrentando.

Embora tivesse muito medo de realizar diversos exames, se sentia vitoriosa sempre que conseguia se submeter a eles. “Na vida precisamos ter atitude. Eu poderia ter atitude de uma pessoa derrotada pela doença ou poderia pensar ‘eu posso, eu sou vitoriosa’ por isso que a minha fé triplicou”, conta Celia.

Quando os efeitos colaterais começaram a surgir, logo procurava entender aquele sintoma e ficar bem de alguma forma. Ela explica que para curar as náuseas bebia chá de gengibre, para tratar as aftas fazia bochechos com bicarbonato de sódio e água e para a secura na boca, chupava bala de hortelã.

Durante o tratamento, procurou alternativas que a ajudasse a se sentir menos estressada e ansiosa antes das consultas, e descobriu a técnica Emotional Freedom Techniques (EFT), ou Técnica de Libertação Emocional, em português. Esse método terapêutico é parecido com acupuntura, mas não utiliza agulhas. Além disso, pode ser realizado em clínica ou auto aplicado.

Nem tudo são flores, mas as raízes se fazem presentes

A perda de cabelo é comum em pacientes com câncer de mama. Isso acontece devido aos exames realizados a fim de curar a doença, e Celia tinha total consciência dessa circunstância. Por isso, quando seus cabelos começaram a cair, ela decidiu cortá-los. Uma auto estima boa também foi essencial, já que se sentir bem nessa fase da doença é de extrema importância.

“O apoio familiar foi muito importante pra mim. Meu marido tratou de ficar careca e ficamos assim juntos. Meus conhecidos gostavam de beijar minha carequinha, assim como as enfermeiras também”, relata.



Ela acreditava que o tratamento da quimioterapia era como uma limpeza. “Eu procurava encarar aquilo como algo muito bom, pensando sempre que eu estava me beneficiando. Era um momento meu em que eu tinha pensamentos positivos para desejar coisas boas para todos que estavam na sala de tratamento comigo”, diz. Em seguida, recebeu a notícia da cura.



Para as mulheres que estão em processo de combate ao câncer de mama, Celia Regina de Macedo Tanus deseja determinação nessa caminhada. Uma caminhada cheia de obstáculos, mas com flores a florir em cada passo dado.



Sintomas e Tratamento



Existem diversos tratamentos para a doença, e a escolha depende do estágio do câncer, e em alguns casos, mais de um método pode ser utilizado. O tratamento envolve:

A Cirurgia, normalmente é usada no estágio inicial do câncer, pois o risco na retirada do tumor é menos prejudicial a mama. Ela engloba a cirurgia reconstrutiva, a mamoplastia -
cirurgia plástica para aumentar ou reduzir o tamanho dos seios ou para reconstruir uma mama, a expansão de tecido - que coloca um balão sob a pele para expandi-la, gradativamente e o tecido ao redor. a linfadenectomia - que remove cirúrgica de um linfonodo, mastectomia - remoção cirúrgica total ou parcial da mama e a excisão local ampla - remoção de uma pequena área de tecido, que ultrapassou a extensão da doença.

A Radioterapia utiliza raios-X e outros raios de alta energia para destruir as células anormais e encolher os tumores. Ela normalmente acontece em estágios que o tumor não espalhou e em casos de não metástases.

A Quimioterapia faz uso de medicamentos orais e intravenosos, para diminuir, controlar ou destruir, em outras palavras, tem objetivo de matar as células que estão crescendo e se multiplicando rapidamente. Ela pode ser feita antes ou depois da cirurgia, tudo é decidido de acordo com estado clínico da paciente. Quimioterapia hormonal - trata cânceres hormonais sensíveis, com intenção de impedir a ação dos hormônios que fazem as células cancerígenas crescerem.


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Surfista Perfumado

Por Heloisa Freitas

Fatigas, Fatigato, Mito ou Lenda Fapconiana. Esses são apenas quatro, de muitos, apelidos que foram carinhosamente concedidos ao professor de Língua e Literatura, Claudio Fatigatti, ao longo de seus 48 anos de carreira.

Ministrou aulas para o primeiro e segundo graus. Durante essa jornada passei pelas escolas Jardim São Paulo, Mater Dei, Pueri Domus, Magno, Lep e Pentágono. Também atuou como professor de gramática e literatura em cursos supletivos e pré-vestibulares como Castro Alves, Santa Inês, Anglo e Objetivo, indica o currículo postado no portal da FAPCOM.

Mas sua experiência não para por aí, em meados de 1986, o professor inicia sua jornada em instituições de nível superior passando pelos cursos de Geografia, Ciências Sociais, Letras e Biblioteconomia. Durante esse período lecionou em grandes instituições como Faculdades Metropolitanas Unidas, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Pontifícia Universidade Católica, Universidade São Judas Tadeu e UNIFAI.

Atualmente, leciona Comunicação e Expressão, Laboratório de Redação e Gramática, Teoria do Texto, Oficinas de Redação, Leitura, Interpretação e Gramática para os cursos de Comunicação Social e Filosofia da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação.

O trabalho exercido por Fatigatti tornou-se alvo de reconhecimento de seus colegas e alunos. “O professor Claudio foi meu colega em diversas instituições de Ensino Superior. Grande colega. Um professor irrepreensível em todos os graus e aspectos. Sempre foi adorado pelos alunos, não somente pela sua grande competência. Sobretudo, pelo profundo respeito que sempre demonstrou pela humanidade”, declara Ana Maria Haddad Baptista.
Já para Karina Reyes, que foi sua aluna na Universidade São Judas Tadeu, Claudio exerceu grande papel para sua formação. “Comecei a gostar de gramática por causa dele. Antes eu odiava. Ele, muitas vezes com palavras, nada doces, deu o chacoalhão que eu precisava para me esforçar mais no momento”, conta a ex-aluna.
Valter Brito, também graduado pela Universidade São Judas entre 1995 e 1998, seguiu um caminho parecido com o de Fatigatti: “Claudio Fatigatti? Grande mestre! Lembro que ele me jogava praga dizendo que me tornaria professor de Língua Portuguesa. Hoje, sou professor de Português e sou muito feliz! E continuo dizendo a mesma coisa que dizia para ele naqueles tempos: quando eu crescer, quero ser tão bom em português quanto ele.”
Durante as aulas, Claudio tem bastante presença. É um professor firme e bastante exigente, mas tais características vêm acompanhadas de uma boa dose de humor e carinho. Valter não se esquece: “Lembro quando ele passou o seu telefone residencial para a sala toda, dizendo que poderíamos procurá-lo caso precisássemos tirar dúvidas a respeito do TCC. Achei uma loucura! Mas certo dia eu precisei e fui atendido com muito carinho”.  
Mas preparar aulas, corrigir trabalhos e provas, dar aulas de reforço em gramática não é suficiente para Claudio, que é responsável pela fabricação de seu próprio perfume, além de aflorar seu lado surfista durante as horas vagas.
Como todo bom professor, Fatigatti é o protagonista de muitas lendas que passam de veteranos para calouros todos os anos. Dizem por aí que Fatigas tem uma bala alojada em seu corpo, devido a um episódio do qual só tem a mesma emoção se contado por ele. Há quem diga também, que o professor esconde por trás de suas camisas sempre muito bem apresentáveis, uma tatuagem tribal em seu braço.
Embora o professor seja muito conhecido por suas brincadeiras de anos como “mulher que fala muito não casa”, “vou-me já” e “sorvete se toma aqui, e não aqui” (apontando inicialmente para a boca e depois para sua testa), Fatigas deixa a timidez escapar por alguns momentos, o que justifica suas mãos inquietas sobre as pernas, alisando incessantemente o jeans que veste durante suas entrevistas disponíveis no Youtube.
Acredita-se que sua timidez diminua durante um convescote. E, caso você não saiba o que é um convescote, talvez não esteja frequentando as aulas do Fatigas como deveria.




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As atrizes da Boca do Lixo: Nicole Puzzi

     Pelas ruas do centro de São Paulo os cinemas costumavam ser as principais atrações dos paulistanos na década de 70.


Por: Antônio Flávio e Camila Dimas


O movimento “Boca do Lixo”, que marcou o cinema paulista na década de 1970, tinha como intuito realizar filmes com várias temáticas diferentes, muitas vezes retratando questões sérias. Mas foram os de pornochanchadas que trouxeram uma visão e um sucesso aos filmes desta vertente. As cenas eróticas fizeram uma ponte direta com o público popular que, não por acaso, lotava as salas em busca de entretenimento. Foram produzidos nesta época no Brasil diversos filmes que saíram da Boca.
As ruas Triunfo e Aurora, no centro de São Paulo, foram super exploradas como cenários de diversos filmes desta época, principalmente os pornochanchadas. Com produções autorais relativamente baratas, estes cineastas não dependiam de incentivo governamental, como da Embrafilme, fundada em 1969 durante o Regime Militar brasileiro, que tornou-se a maior distribuidora de filmes durante este período no Brasil.
Com isso, produções grandiosas ou financiadas pelo governo tentavam estragar a imagem e a cultura dos cinemas da Boca para retirar o público desta categoria. Essa tentativa trouxe mais preconceitos ao cinema que já era marginalizado.
Nicole Puzzi, de 60 anos, foi uma grande atriz desse movimento brasileiro. Com mais de 40 anos de carreira, ela estrelou mais de 30 filmes e diversas novelas da Rede Globo. Puzzi conta sobre o preconceito que as pessoas tinham em relação à pornochanchada. “Tem muita gente ignorante que acha que pornochanchada é filme de sacanagem engraçado. Isso é uma ignorância.” O cinema marginal deriva do filme chamado “A Margem”, de Ozulado Candeias. Um filme atemporal, como diz Nicole.

Mesmo sem patrocínio os filmes da Boca competiam diretamente com os filmes internacionais, lotando os cinemas, fazendo deles sucesso de bilheteria e ficando meses em cartaz.

Hoje, Nicole ainda trabalha como atriz. Ela está em cartaz com a peça “Transex”. Além de dar aulas sobre o cinema Boca do Lixo.

Saiba mais sobre o termo Boca do Lixo

O nome “Boca do Lixo” era  termo utilizado para chamar a região do bairro da Luz em São Paulo. A região tinha como vizinhos a prostituição e a criminalidade, sendo elas coexistindo com o polo cinematográfico da época. Sua localização próxima das estações ferroviárias e rodoviária, era economicamente atrativa e barata para os empresários aceitaram dividir o mesmo espaço com marginais. Fonte: Ligado Em Série.

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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Ayahuasca: da religiosidade à medicina alternativa

Conhecida por livrar o corpo e a alma da impureza e abrir comunicação com os antepassados e as forças naturais, a bebida tem atraído cada vez mais interessados em experimentar

Por Ana Julia Ramos, Kamila Pigari e Yanca Palumo



Ayahuasca é um nome quíchua (antigo idioma dos incas) em que aya significa espírito ou ancestral e huasca, vinho ou chá. O nome também é traduzido como “cipó dos espíritos”. A bebida é o resultado da combinação do princípio ativo de duas plantas da Amazônia: o jagube e a chacrona e, apesar das mais variadas pesquisas, ainda não é possível afirmar quando o seu uso teve origem. O primeiro registro oficial é de 1851, feito pelo botânico Richard Spruce, que realizou um estudo detalhado da flora e fauna amazônica. Na época, ele encontrou potes e desenhos arqueológicos que levaram a acreditar que o uso do chá acontece desde 2000 a.C. Tradicionalmente, a ayahuasca é utilizada por diversos povos indígenas da região amazônica do Brasil, Peru e Equador.

Aqui em terras tupiniquins, ao longo do século XX, surgiram diversos grupos religiosos sincréticos, com fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova, podendo ser de caráter filosófico, cultural ou religioso. Como resultado disso, houve a junção de elementos indígenas e não indígenas, como o uso das plantas e dos tambores para cura e a utilização de conceitos cristãos por algumas vertentes, respectivamente. Atualmente existem mais de 20 grupos religiosos no país que utilizam a ayahuasca. Por exemplo, o Santo Daime que recebe kardecistas, umbandistas e até céticos e soma mais de seis mil adeptos entre o Brasil, os Estados Unidos, a Europa e o Japão. Há também a União do Vegetal, que começou em Rondônia na década de 1960 e espalhou-se pelo Brasil, pelos Estados Unidos, parte da Europa e pela Austrália e conta com mais de 18 mil seguidores. Além das religiões, a ayahuasca também está presente no Xamanismo, um conjunto de práticas e rituais ancestrais que buscam estabelecer uma ligação com o sagrado e inclui o conhecimento profundo das ervas, o sincronismo com a natureza e a prática de danças ao som de tambores e flautas.

E afinal, o que é a ayahuasca?
A bebida que tem atraído cada vez mais o interesse das pessoas é conhecida por livrar o corpo e a alma da impureza e abrir comunicação com os antepassados e as forças naturais. O uso da ayahuasca busca estabelecer uma ligação com outros planos de consciência, a fim de obter conhecimento, equilíbrio e conexão com elementos da natureza ou espiritualidade. Além disso, as conexões são valorizadas e a capacidade de autoanálise e ligação com o mundo exterior também. Juliana Ponte, de São Paulo, é dirigente do Canto dos Ancestrais e lida diariamente com pessoas interessadas em consagrar, termo utilizado para a ação de tomar o chá. “O maior índice de procura eu diria que é para autoconhecimento, e então essas pessoas conseguem se reconstruir, porque é a partir do autoconhecimento que começam as transformações”. Ela completa que atualmente observa também uma grande procura em busca da conexão com a espiritualidade. Dener Gatto, de São Paulo, acredita que com os trabalhos com a ayahuasca é possível “se conhecer mais, entender quais são os próprios objetivos e intenções.” O publicitário conta sua experiência.




Os trabalhos visam facilitar a comunicação com o Divino, o Astral, Entidade ou alguma outra realidade que seja trabalhada. Os rituais com a ayahuasca possuem divergências a partir das vertentes, por exemplo: no Xamanismo é comum que sejam feitos em locais abertos e ao redor da fogueira, enquanto no Santo Daime acontece dentro da igreja (da própria doutrina), com hinários e danças feitos em conjunto. Apesar das diferenças, é possível perceber que a música está sempre presente. Juliana explica que a música é energia e ela atinge frequências que são necessárias no processo de cura. “Além disso, dependendo do que a música está falando, pode desencadear e ser uma chave para abrir algum processo dentro da gente”, completa.

Cuidados

Para participar dos trabalhos é necessário um preparo e as recomendações podem variar. Há locais que pedem que a pessoa interessada não consuma carne por até duas semanas antes do ritual, enquanto há outros que recomendam um dia de abstinência, como é o caso do Canto dos Ancestrais, como explica Juliana, dirigente do Canto dos Ancestrais.




Algumas orientações podem servir para se ter uma experiência melhor, enquanto outras estão voltadas às precauções de quaisquer problema de saúde, como é o caso da cocaína, que é estimulante e pode aumentar as chances de sofrer uma arritmia cardíaca sob o efeito da ayahuasca.

Alex Gearin em entrevista à Vice afirma que “há muitas crenças e recomendações na hora de se tomar ayahuasca.” O antropólogo especialista em medicina e pesquisador da Universidade de Queensland, na Austrália, alega que “a restrição alimentar mais comum nesses casos é com relação à carne de porco; a dieta purifica a mente e o corpo para recepção de trabalhos xamânicos como cura, caça, magia ou divinação.”

O gosto do chá é amargo. Algum tempo após tomá-lo, que varia entre 15 e 50 minutos, acontece a expansão da consciência. É nesse momento que todos os chakras se alinham e se entra no que chamam de força, que é a responsável por trazer as experiências que as pessoas buscam nos trabalhos.

Elizangela Puppa, especialista em Direito Ambiental, participa de rituais há quatro anos. “A força é quando se tem trabalhos de regressão e que mostram o que você é e o que precisa melhorar em você”, conta.

Samara Monteiro, 17 anos, relata que o chá leva a sentir todo tipo de sentimento. “Mas o que mais permanece é o de compreensão, amor, firmeza e perdão”, destaca. A estudante frequenta o Santo Daime há dois anos e meio em São Paulo. “Através de experiências e comportamentos é possível ver tanto o belo como o feio. Já cheguei a ver coisas da minha vida passada e lembranças de quando eu era criança”, explica.

Flávia Guilhermina, social media, consome o chá há oito anos, em média de duas a três vezes por ano. Ela conta uma de suas experiências durante um ritual.

  
A ayahuasca contribui com a capacidade de experienciar, analisar e compreender determinadas situações. Em texto publicado no Universo Místico, Régis Alain Barbier, médico, filósofo e presidente da Sociedade Panteísta Ayahuasca, afirma que os trabalhos com a ayahuasca “além de influir na intensidade e no foco das percepções, a experiência pode motivar a re-significação dos conteúdos sendo observados.” A força que se entra durante um trabalho é resultado de um processo psicofisiológico de mudança na percepção sensorial ocasionado pelo aumento de neurotransmissores. As ondas cerebrais elevam-se e sente-se também um relaxamento. Neste momento, os sentidos ficam mais aguçados e o processo cognitivo se amplia. Além da força, lida-se também com as mirações, que são as visões espirituais que se atinge no estado de consciência expandida. Assim como as mirações podem revelar fatos do presente, passado e futuro, e ora são nítidas e diretas, ora são enigmáticas, necessitando de aprofundamento e compreensão, elas também podem variar entre luzes que parecem dançar a animais de todos os tipos. 

A atriz Rita Brafer, 43 anos, tomou o chá duas vezes e conta a sua primeira experiência.




De modo geral, as miragens provocadas pelo chá são extremamente difíceis de descrever em palavras e, por isso, o artista plástico Pablo Amaringo, um peruano que descendia de uma linhagem xamã, dedicou sua vida e tornou-se especialista em pintar as visões causadas pela ayahuasca.

Jehua Supai - obra de Pablo Amaringo

Ao conversar com pessoas que têm ou já tiveram contato com a ayahuasca, o que mais se escuta é sobre a necessidade de estar ciente sobre quais são as reais intenções de participar de um trabalho. Rita conta que a segunda vez que participou do ritual não foi tão agradável, pois, depois de ingerir a bebida e entrar na força, começou a sentir muito medo e entrou em pânico. “Na verdade eu tomei uma surra porque eu não queria ver, eu não fui com um objetivo, eu fui de boa”, recorda-se. Ela avalia que não ocorreu a entrega total de si: “Eu acho que isso é muito importante, você ter um objetivo, o que você está buscando? E não só tomar o chá porque todo mundo toma”. Flávia Guilhermina concorda que para participar de rituais é necessário estar em busca de algo. “O propósito é muito importante porque a ayahuasca é uma erva de cura, ela vai te curar em um sentido de espírito, de alma mesmo, não é uma erva sagrada para você viajar.”

Em casos como o de Rita é comum acontecer o que chamam de peia e, segundo os seguidores, está associado a processos incômodos que podem se manifestar a partir de pensamentos e sensações, incluindo visões que causam terror. Além disso, há também o processo fisiológico associado à limpeza, que comumente se manifesta por vômitos, suor e/ou diarreia. A limpeza à qual se referem está ligada à carga energética e/ou física, ou seja, essa purgação do corpo seria necessária para jogar fora impurezas e quaisquer aspectos negativos, por isso o balde ao lado do colchonete dos participantes. Por mais que a tal da peia pareça desagradável, o psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Luís Fernando Tófoli comentou durante uma palestra que, em todas as tradições de ayahuasca da América do Sul que ele conhece, a purgação “não é compreendida como um efeito adverso indesejado.” Por outro lado, a ciência explica que as náuseas e o vômito derivam de uma ação na área do tronco encefálico, onde está o bulbo, responsável pelo ato de vomitar. Para além dessas explicações, independente de qual aspecto é levado em consideração quando se trata da peia, é inevitável a conclusão de que cada corpo reage de uma maneira e, enquanto algumas pessoas não sentem efeito algum, outras podem sentir todas essas sensações citadas.

De onde vem tudo isso?

Apesar de chamarmos de “chá”, a bebida é na verdade resultado da decocção da folha da chacrona (Psychotria viridis), conhecida como rainha, e do cipó-mariri (Banisteriopsis caapi), também chamado de jagube, ou seja, é necessário o cozimento prolongado das plantas para que o princípio ativo entre em ação. A folha é responsável pelas mirações e o cipó pela força. Além disso, há um processo ritualístico desde a colheita. Entenda melhor no vídeo abaixo:


O efeito da ayahuasca é resultado principalmente da ação de uma substância chamada Dimetiltriptamina (DMT), encontrada na chacrona. Essa substância produz efeitos alucinógenos em seres humanos, porém as folhas se consumidas isoladamente não provocam qualquer alteração devido à rápida destruição da DMT pela Monoamina oxidase (MAO), uma enzima que está presente naturalmente no organismo humano e que tem como função destruir as diversas monoaminas, que são substâncias químicas derivadas de aminoácidos. É neste momento que o jabuge entra em ação. O cipó possui as betacarbolinas: harmina, harmalina e tetra-hidroharmina, elas são responsáveis por agir de maneira inibidora sobre a MAO a ponto de evitar a degradação da DMT. Essa interação possibilita a absorção e penetração da substância na corrente sanguínea, e é daí que surgem as mirações e a força, pois os neurônios são afetados e uma hiperestimulação das funções cerebrais perceptivas e cognitivas acontece, desencadeando na liberação das sensações já citadas anteriormente. Tófoli ressalta que um ponto importante é que já está comprovada a presença da DMT no cérebro de mamíferos, inclusive mamíferos humanos.

Apesar da DMT ser naturalmente excretada pela glândula pineal, a substância é controlada no Brasil (Portaria 344/98) e também em esfera internacional. Neste segundo caso, devido à expansão das religiões ayahuasqueiras em mais de 30 países, as reações políticas encontram implicações e controvérsias ao lidar com o tema. No Brasil, a primeira política importante relativa à ayahuasca aconteceu em 1985, quando a Divisão Nacional de Medicamentos (Dimed), renomeada no final da década de 90 para Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), classificou o cipó mariri como uma substância proibida. Entenda o processo de regulamentação:


Perante a lei, o uso da ayahuasca por gestantes e crianças é permitido, pois a bebida não apresenta evidências científicas suficientes de efeitos danosos à saúde. Nestes casos, é comum que os locais ofereçam uma dose menor para esses grupos. Elizângela Puppa relembra o momento em que seu filho tomou o chá pela primeira vez aos 6 anos.



Ainda que pareça não haver restrições, é importante ficar atento, pois o uso da ayahuasca pode trazer efeitos colaterais como o aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. Por isso uma pessoa com problemas cardíacos não deve ingeri-la. É responsabilidade do local que realiza os rituais decidir quem está apto ou não, do ponto de vista clínico e psicológico, a tomar o chá e, para isso, os dirigentes produzem uma ficha. “Procuro saber o estado de saúde, o estado emocional e qual tipo de experiência a pessoa já teve com a ayahuasca. A partir do que ela me responde eu avalio se tem a possibilidade dela tomar”, explica Juliana. O psiquiatra Leonardo Maranhão faz algumas restrições.




O uso da ayahuasca por pessoas que apresentam depressão ainda passa por conflito. Enquanto alguns médicos alegam que não são favoráveis ao consumo da bebida por esses grupos, uma pesquisa publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria mostra que o chá pode ser eficiente no combate à depressão. Segundo dados do estudo, 62% dos voluntários relataram diminuição dos sintomas depressivos 24 horas após a ingestão. Esse efeito pode estar relacionado à harmina, que age também como uma espécie de antidepressivo natural presente na ayahuasca. Um outro estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ao longo de três anos e publicado na revista Psychological Medicine, mostra a eficiência da ayahuasca contra depressão. Nele, 29 pessoas com a doença foram dividas em dois grupos: 14 receberam a ayahuasca, enquanto outras 15 receberam placebo com sabor e cor semelhantes ao chá, além do acréscimo de sulfato de zinco para provocar um leve mal-estar gastrointestinal, para que não soubessem o que estavam recebendo. Todos eles ficaram acomodados durante 8h em locais com cama, poltrona reclinável e música suave. Do primeiro grupo, que recebeu ayahuasca, 9 dos 14 participantes apresentaram melhorias. No outro grupo, somente 4 de 15.

O neurocientista e diretor do Instituto do Cérebro da UFRN, Sidarta Ribeiro, explicou em entrevista ao G1 que a mistura feita no chá de ayahuasca é uma mistura psicoativa muito poderosa, que vai muito além do DMT. “É possível que muito dos benefícios terapêuticos que advêm do uso da ayahuasca sejam devido justamente a essa interação”, diz. Elizângela Puppa passou por internações e relata como tem superado a depressão.



A investigação científica acerca dos benefícios da ayahuasca não param por aí. Um estudo de 2013 da Universidade da Colúmbia Britânica mostrou que a bebida pode colaborar no tratamento do alcoolismo, tabagismo e vício em cocaína. Seguindo essa linha, uma casa de reabilitação no Acre oferece tratamento com o chá para dependentes químicos. Segundo o presidente da instituição, José Muniz de Oliveira, 59 anos, mais de 2,5 mil pessoas já fizeram tratamento no Centro Caminho da Luz, filiado à União do Vegetal. Já em Rondônia, a Organização não Governamental Acuda oferece há mais de 15 anos o uso da ayahuasca a presidiários em regime fechado. “Na minha cabeça é mais difícil de se ressocializar uma pessoa na cadeia. O Santo Daime provoca que você entre na sua consciência. Muitos dos presos têm a visão de tudo que fizeram, é um processo muito doloroso. Para mim, só assim eles poderão se curar", conta Luiz Henrique, fundador da ONG, em entrevista à Trip. Para a ciência, ainda é necessário mais investigação e aprofundamento para que haja comprovação da eficácia do tratamento da ayahuasca na dependência de drogas e em seu uso terapêutico.

Nos últimos anos, a demanda internacional pela ayahuasca cresceu de modo considerável, o que colocou o cipó em risco de extinção em algumas regiões do Peru, país que passou a receber centenas de turistas interessados em participar de rituais. Um caso que ganhou destaque foi a agência de turismo peruana Pulse Tours, que oferecia pacotes de 7, 14 ou 21 dias com passeios pela selva amazônica, visitas a santuários de animais silvestres e, para completar, cerimônias de ayahuasca. A chamada fica em algo como “aventuras que mudam sua vida”, e os pacotes podiam custar até R$10 mil. A crescente procura não acontece só no exterior, aqui no Brasil é possível garantir uma dose da bebida por R$900 com apenas um clique em sites e páginas do Facebook. A banalização do ritual carrega incontáveis riscos, como o pouco ou nenhum cuidado em relação à segurança de seus usuários, que levou um estudante californiano à morte, em 2012. Kyle Nolan, 18 anos, morreu no Peru e, segundo as autoridades, o motivo seria uma overdose de ayahuasca. Neste caso, é de extrema importância ressaltar que, se a bebida por preparada de forma incorreta ou misturada com outras drogas, o resultado pode ser fatal. Além disso, há também relatos de “xamãs” que assediam e estupram mulheres durante as cerimônias. Flávia conta que conheceu locais em que os responsáveis davam outro tipo de bebida para abusar de mulheres e alerta “sempre pesquisem antes ir em grupos de ayahuasca.”

Em contrapartida à indústria do turismo espiritual, muitas tribos temem perder o acesso legal ao chá de ayahuasca. Em texto publicado no Vice, Olfa Masmoudi conta sobre sua primeira vivência com o chá e alerta que é preciso ficar atento para a globalização da ayahuasca. “Já apareceram os primeiros xamãs impostores e com eles algumas mistelas mal preparadas que são, evidentemente, perigosas”, alerta. A atriz e escritora afirma temer “que a ayahuasca se converta na Disneylândia da experiência psicadélica”. Para ela, qualquer intenção desonesta para com a planta tem o seu preço. “Porque a ayahuasca, à sua maneira, mata-te”, lembra.

Diante da caótica vida nos centros urbanos, diversas pessoas procuram maneiras de se conectar ao seu eu interior e às ancestralidades. Porém, substâncias psicoativas não são um caminho para todos, e a escolha deve ser baseada em amplo conhecimento acerca de todos os fatores envolvidos. É necessário estar consciente que a experiência com a ayahuasca pode ser intensa e abranger conflitos internos exigindo resoluções. Também é importante estar acompanhado de um facilitador (ou guia) familiarizado com os processos, além disso fatores externos como onde o chá é servido e o ponto de vista cultural e espiritual influenciam na experiência.
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Este blog é uma versão teste e provisória do Fapcomunica Online, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação

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