Quem sua a camisa todo o ano para colocar as escolas de samba na avenida? Confira o especial CARNAVAL DE SÃO PAULO - HISTÓRIAS DE QUEM FAZ A FESTA ACONTECER.
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O império de Tiguês
Por: Alan Freire e Julia Santos*Tiguês em frente ao barracão da Império / Foto: Julia Santos |
O futebol se misturava com a batucada e este ambiente acabou se tornando propício para que Rogério tivesse seus primeiros contatos com o ritmo do carnaval. “Eu ia de fralda para os jogos” destaca. O apelido de Tiguês é em virtude de sua descendência portuguesa. “Todo menino português antigamente era chamado de Tiguês”, lembra Rogério.
A paixão de Rogério pelo samba só fez crescer. No entanto, ele não planejava que anos depois estaria à frente de uma das maiores escolas de samba de São Paulo. Em 1994 tornou-se ritmista da escola de samba Gaviões da Fiel, “Fazer parte deste universo foi o que eu sempre quis desde pequeno”, conta Rogério. Apesar de tocar todos os instrumentos da bateria, sua afinidade era com a caixa. Ao longo de uma década de participação na escola, o então ritmista notou um grande crescimento na qualidade dos desfiles paulistanos. “Naquela época existia um equilíbrio entre três escolas: Rosas de Ouro,
Camisa Verde e Branco e Vai-Vai”. Através desse olhar crítico, Rogério pode levar inovação para a Império de Casa Verde, sua futura escola.
O ano de 2004 trouxe uma reviravolta em sua trajetória com o samba. Ingressando na Império de Casa Verde, junto a ex-integrantes da Gaviões trazidos pelo mestre de bateria Robson Campos, o Zoinho, Rogério Figueira (Tiguês) chegou no momento em que a Império perdeu no quesito bateria no carnaval do mesmo ano. A escola de samba da comunidade da zona norte paulistana estava em seu segundo ano no grupo especial do carnaval. O ambiente era familiar a Rogério. “A Império pegou carona nos carros da Gaviões da Fiel, muito grandes, bem acabados com alegorias enormes”. A linha de produção e alegorias herdadas da também componente do grupo especial ajudou a escola recém chegada a conquistar dois títulos seguidos a partir do ano em que Zoinho e sua bateria somaram à agremiação, “Fez uma diferença muito significativa para que a Império tivesse logo no terceiro ano no grupo especial um bicampeonato (2005 e 2006)”, avalia Tiguês.
Seis anos após a entrada, Rogério relata um dos momentos mais decisivos em sua carreira no carnaval. “Por conta de uma fratura no braço, acabei desfilando como apoio. A partir daí virei chefe de ala, diretor de harmonia. Um dia o presidente me convidou para ser diretor de carnaval da escola.”
O convite de Alexandre Furtado, presidente da Império de Casa Verde, surgiu em 2013 e no ano seguinte Rogério Figueira assumiu o cargo, ampliando sua responsabilidade com a escola e levando sua produtividade e “paixão imperiana” para todas as alas. “O carnaval hoje é muito profissional, mas eu nunca quis mudar. A Império é uma escola que eu gosto, amo e acabo ficando. Além da paixão, é uma responsabilidade muito grande agregar os diversos setores da escola”, descreve o diretor.
Apesar de ser paulistano, Rogério também conhece o carnaval carioca e destaca as principais semelhanças e diferenças da maior festa popular do Brasil no trecho Rio-São Paulo. “Estudei os diversos modelos de carnaval existentes aqui em São Paulo e no Rio de Janeiro. A cultura do paulistano é praia ou interior. São Paulo é multicultural, e isso não dá o apego ao samba”, explica Tiguês, que desfilou também na Sapucaí e aprecia os dois polos carnavalescos explorados no país.
Rogério foge do mito de que quem trabalha com carnaval restringe seu tempo e dedicação a esse tipo de função. Seu ambiente de trabalho vai além dos muros do barracão, com uma microempresa dedicada à fantasias. “Trabalhar com o carnaval é muito gostoso para se aprender. Mas não vou dizer que quero trabalhar o resto da vida com isso”. Apesar de se dedicar ao universo do carnaval e contar com um cargo significativo dentro de uma escola de samba do grupo especial, Rogério Figueira (Tiguês), paulistano da zona sul, reserva tempo para a esposa e o filho Leonardo, de três anos, que não aderiram ao samba.
Idade não é documento
Com 23 anos de atividade, formada por membros dissidentes da tradicional Unidos do Peruche, a Império de Casa Verde, que leva as cores azul e branco, coleciona seis títulos de campeã, sendo três no grupo especial e os demais no grupo de acesso. Com pouca idade e muita tradição, a escola não é uma das mais tradicionais. Pelo contrário, é uma das mais novas, tanto que foi apelidada como “Caçula do Samba”. Uma das maiores de São Paulo.A Império sempre usou materiais mais nobres, não se preocupando somente com o olhar dos jurados. “A maioria das pessoas que trabalham na produção moram em Parintins (Amazônia), e chegam no meio do ano para os preparativos do desfile. Essa união de tradições é muito importante.”
Composição da alegoria “elemento água” usado no carnaval 2016 / Foto: Julia Santos |
Aprendendo com os erros
No carnaval de 2012, a Império de Casa Verde sofreu uma grande crise quando Tiago Ciro Tadeu Farias, então componente da escola, rasgou os envelopes com as notas do último quesito da apuração. O ocorrido levou ao corte de verbas da escola como penalização para o desfile do ano seguinte. “Foi nesse carnaval (2013) que sentimos que a escola era realmente grande”, lembra Tiguês.No ano seguinte ao acontecimento, o enredo trazido pela Império levava o nome de “Pra todo mal, a cura. Quem canta seus males espanta!”, garantindo a quinta colocação. Rogério avalia a perda. “Só não vencemos, pois a fantasia de uma componente da comissão de frente caiu”. Após o resultado de um desfile sem verbas, a escola contou anos consecutivos em posições abaixo do esperado (oitavo, em 2014 e 2015), “Em 2015, houve muita mudança para as demais escolas, que estavam melhores colocadas”, descreve o diretor.
Com a chegada do carnavalesco Jorge Freitas para o carnaval de 2016, o projeto da escola agradou a comunidade, os membros e aos jurados de carnaval que a consagraram com o título de campeã pelo enredo “O Império dos Mistérios”. No ano de 2017, a escola conquistou o 4° lugar, se destacando ao usar o tema “Paz: O Império da Nova Era” de forma criativa, mantendo o alto padrão de investimento em alegorias luxuosas.
Mais que membros, artistas
“A gente costuma dizer que na comunidade da “Império” não temos um ou dois artistas famosos que chamam a mídia, mas sim 2.500 artistas, que têm pesos diferentes dentro da escola.”Com a participação de Lívia Andrade (atriz, apresentadora e modelo) como madrinha de bateria e Valeska Reis (assistente de palco do programa “Hora Do Faro”) como rainha, a Império de Casa Verde não acumula a tradição de desfilar com famosos, “Não queremos valorizar artistas, porque muitas vezes não há uma emoção e o entrosamento com a escola”, garante o diretor Rogério Tiguês.
Ao contrário do carnaval carioca, o paulistano costuma reunir poucas celebridades em destaque. A escola de samba que representa a região da Casa Verde costuma valorizar os funcionários, equiparando-os aos artistas, “Aqui o componente é o artista. É claro que qualquer famoso que chegar na escola será bem recebido, mas buscamos artistas daqui”, finaliza.
A escola inova ao trazer um mestre-sala japonês. Trata-se de Tsubasa Miyoshi, 36, integrante da Império há mais de 12 anos. Os componentes não o tratam como celebridade de televisão, mas como artista. Vindo da periferia de Tóquio, Miyoshi ainda está se adaptando com o sotaque brasileiro. “Nunca tive problemas com a língua. Quando não sei como dizer, sorrio”, afirmou ao portal Terra.
Quando levou o título em 2016, a escola premiou os funcionários da limpeza, cozinha e almoxarifado com a presença no desfile das campeãs, “Eles desfilaram em cima do carro, e para eles foi uma surpresa”, relata Tiguês, emocionado. “Gostamos de valorizar as pessoas que fazem a escola acontecer, que fazem da escola uma artista”, complementa o diretor de carnaval da Império de Casa Verde, escola de samba que planeja para 2018 um enredo valorizando a cultura popular: “O povo, a nobreza real”, baseado no musical “Os Miseráveis”.
*ESPECIAL CARNAVAL DE SÃO PAULO - PERFIS, produzido pela turma do terceiro semestre matutino de Jornalismo na disciplina Jornalismo Cultural. Leia mais: Unidos do Peruche.
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