quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Casos de perda de memória recente após consumo exagerado de álcool são comuns entre universitários

No Brasil, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que em média 50% dos jovens já passaram algum tipo de blecaute alcoólico devido a ingestão de grandes quantidades de bebidas

Por Amanda Oliveira e Sthephanie Motta

Foto: FreePik


A amnésia temporária ou duradoura, chamada de “blecaute alcoólico”, é definida como a incapacidade de lembrar-se de fragmentos ou períodos inteiros enquanto se consumia o álcool. Ela vem sendo cada vez mais relatada entre os consumidores de bebidas alcoólicas, principalmente estudantes universitários, já que o álcool, legalizado no Brasil, é consumido por em média 70% da população, segundo pesquisa realizada pela Revista Medicina e Saúde.

A incapacidade do cérebro de recordar detalhes e atitudes no período da embriaguez é um tipo de amnésia chamada “anterógrada”, pois a ingestão do álcool impossibilita a formação de novas memórias. Embora não cause prejuízos graves, os médicos são categóricos: tem que ser evitada, pois a prática pode ocasionar algumas deficiências, como a perda de vitamina B1, nutriente importante para diversos órgãos do corpo, incluindo o cérebro, causando a carência de tiamina (os sinais mais comuns da falta desta vitamina são: insônia, nervosismo, irritação, fadiga, depressão, perda de apetite, falta de energia, dores no abdômen e no peito).

A estudante Vitória Atanes, 20, revela que após entrar no Ensino Superior começou a tomar medicamentos para perda de peso e, todas as vezes que consumia álcool, tinha períodos de amnésia e flashes de memória. “Quando eu entrei na faculdade eu decidi começar a tomar remédio para emagrecer, porque era vida nova. Como tinha acabado de sair cursinho e estava me afundado na comida, procurei este recurso. Minha médica havia dito que eu não poderia beber enquanto tomasse esse remédio. Na verdade, era uma combinação de antidepressivo com substância para epilepsia. Com isso, naquela época, eu comecei a ter amnésia alcoólica toda vez que eu bebia”, relata. 

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Vitória também afirma que se sentia chateada. “Eu bebia e não lembrava nada do dia seguinte. Era horrível. Muitas vezes as pessoas me contavam coisas como: 'Ele fez algo com você'. Ficava chateada principalmente por não lembrar uma coisa que é tão íntima minha”.

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Tipos de amnésia

A neurologista Agatha Macedo, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), revela que a amnésia pode ser dividida em dois tipos. “O blecaute mais comum é quando o indivíduo encontra dificuldades em lembrar fragmentos de um período de embriaguez. O outro tipo é quando o indivíduo é incapaz de lembrar de toda a ocasião em que estava bebendo”, explica.

Nesse período de blecaute, a pessoa fala, caminha, come, pratica atividades sexuais, dentre outras atitudes, mas o cérebro fica incapaz de guardar o ocorrido. 

O estudante Giovanni Sillas, 19, conta que após beber tequila com um amigo, voltou para a casa, jantou com os pais, fez piadas estranhas, mas que não se lembra de nada do que disse ou fez nesse período. “Eu estava sentado no sofá com meus pais e tudo o que eu pensava já sabia que ia esquecer. Fui a num restaurante com eles, comi um ‘pratão’ de comida e não me lembro absolutamente de nada, só sei do que minha mãe contou”.

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  Estudos sobre a amnésia alcoólica, de 1995, realizados pelo analista Donald Goodwin, indicaram que alguns de seus estudantes do primeiro semestre da graduação bebiam muito e pelo menos 33% afirmavam não se lembrar de nada. Em 2017, pesquisadores britânicos mostraram que 20%, dos mais de 2.100 jovens universitários interrogados, relataram algum tipo de blecaute ou perda de memória após consumir álcool. No Brasil, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que em média 50% dos jovens já passaram algum tipo de blecaute devido a ingestão de grandes quantidades de álcool.

Foto: Sthephanie Motta

       
A estudante E. F.*, 20, conta que saiu com os amigos e bebeu além dos limites, quase entrando em coma alcoólico. Como não foi atendida no Hospital Samaritano de São Paulo, por estar sem RG, teve que continuar no carro com os amigos parando vez ou outra para vomitar. “Eu estava passando mal e minha amiga foi assaltada, roubaram o celular dela e quando ligamos o localizador ele estava no meio da Cracolândia. Nós fomos atrás do celular e minha amnésia foi passando ao decorrer da emoção do momento”, conta.

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O dia seguinte e o blecaute alcoólico

Em grande parte dos casos de amnésia alcoólica, o medo e a preocupação aparecem ao acordar no dia seguinte. O jornalista Fred King, 32, relembra que ficou muito preocupado com o que poderia ter acontecido em seu primeiro episódio de blecaute alcoólico. “O mais desesperador é ficar tentando puxar na memória alguma lembrança e ela não vir ou somente lembrar-se de flashes. Chega a dar medo”, diz. 

Ele conta que o receio de se machucar no meio desse “esquecimento” fez com que passasse a evitar bebidas alcoólicas muito fortes. “É uma coisa que traumatiza, por mais que não aconteça nada, você fica pensando: ‘E na próxima vez, o que pode ser?’”.

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Fisicamente, os sintomas da amnésia alcoólica no dia seguinte são parecidos com os da ressaca comum, embora bem mais fortes. Dor no corpo, dor de cabeça, sede frequente e estômago embrulhado são os principais incômodos físicos. Já psicologicamente, o dia seguinte torna-se muito pior que o de uma “bebedeira normal”, justamente pelo desânimo e a culpa por não se lembrar das próprias atitudes.

A estudante de Psicologia Fernanda Cristina, 26, afirma que os universitários tendem a buscar no álcool aceitação entre grupos e, muitas vezes, consomem a bebida para esquecer problemas do dia a dia ou relacionados a faculdade. “A busca por aceitação influencia muito, talvez aquele jovem nem queira ir ao bar e beber, mas acaba indo porque os amigos convidam”, explica.

Fernanda também comenta que o dia seguinte é um período de arrependimento e pânico na maioria das vezes. “Quando o indivíduo não se lembra do que fez ou do que fizeram com ele é tomado por um estágio de pânico e com isso vem a ressaca moral. Você se arrepende de ter tomado algumas atitudes, se concentra em tentar esquecer, mas a culpa continua martelando na cabeça”, conclui.


Foto: Sthephanie Motta

Genética

Em 2016, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, fizeram um estudo a partir de imagens de ressonância magnética e chegaram a conclusão de que o esquecimento não depende totalmente da quantidade de álcool ingerida. A teoria é de que a genética tenha uma influência muito importante nesta questão.

Segundo os especialistas norte-americanos, algumas pessoas possuem um componente bioquímico no cérebro que aumenta os riscos do álcool afetar áreas ligadas ao autodomínio, atenção e memória, o que faz com que elas tenham mais tendências a esquecer fatos ao beber. Isso também explicaria porque algumas pessoas parecem ter uma resistência maior ao álcool - e outras, nem tanto.

Contudo, esta teoria se refere somente aos apagões completos em que a pessoa acorda na manhã seguinte e percebe que esqueceu totalmente o que fez e falou na noite anterior. O esquecimento de detalhes e os flashes de memória são mais comuns e Reagan R. Wetherill, uma das autoras da pesquisa, acredita que pelo menos 40% dos universitários irá passar por essa situação.

Confira outros depoimentos sobre amnésia alcoólica:
Rafael Saraceni, 27



Rodrigo Costa, 22



*A pedido da entrevistada, o nome dela foi preservado.


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