sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Burnout: mente desligada, corpo em alerta


Conheça as dificuldades de quem enfrenta o grau máximo do estresse, presente em 30% dos brasileiros


Soraia estava em seu carro, no trânsito caótico de São Paulo, quando apagou. Estava dirigindo e, repentinamente, não sabia mais como fazê-lo, não lembrava o próprio nome, se era dia ou noite e nem como havia chegado ali. Ficou uma semana internada. Esta foi a primeira vez que foi diagnosticada com a Síndrome de Burnout, que já atinge 30% dos brasileiros.
A palavra burnout vem do inglês burn, queima, e out, exterior — metáfora para o fogo que se alastra de dentro para fora. A doença é o ponto máximo do estresse profissional, caracterizada pelo esgotamento físico e psicológico. Trata-se do momento em que o desgaste emocional é tamanho que danifica também o corpo e a mente. O termo foi concretizado pelo psiquiatra germano-americano Herbert Freudenberger, em 1974, quando tentou descrever a doença que ele mesmo enfrentava.
A jornalista e professora Soraia Lima, 38, estava imersa em uma rotina de três empregos, trabalhando 15 horas por dia e, para completar, mais três horas parada no trânsito. Descanso e lazer não eram uma opção. “Comia o que dava, na hora que dava”, relembra. Foi preciso um colapso para que percebesse que algo estava errado. E ela não é a única. As pessoas que enfrentam a doença costumam notá-la apenas quando já está no grau máximo. Isto porque os sintomas são variados e podem estar associados a outros distúrbios psicológicos — o que dificulta o diagnóstico em um primeiro momento.
No estado vizinho, Rio de Janeiro, Helloá Regina enfrentava o mesmo problema. Era servidora pública e trabalhava com prestação de contas, além de estar no meio da graduação em Administração Pública e ter que cuidar da casa, a qual sustentava sozinha. Sentia-se tensa do momento em que acordava até a hora em que dormia, já de madrugada. Não demorou muito para que o corpo mandasse os primeiros sinais de que algo estava errado: dores de cabeça e musculares, palpitações e cansaço extremo tornaram-se recorrentes.
“Eu estava sempre cansada, sempre exausta, e por causa dos sintomas físicos e do cansaço fui ficando desanimada. Então comecei a diminuir o vínculo social. Eu ficava cansada demais para sair com os amigos, cansada demais pra me distrair com um filme, por exemplo. Então foi aí que percebi que algo estava bem errado”, conta Helloá, que só se deu conta do problema devido aos sintomas físicos.
O corpo é o primeiro a sentir o desgaste. Ao notar que está perto do limite, ele reage enviando uma série de sinais: fadiga, distúrbios do sono, dores musculares e de cabeça, irritabilidade, dificuldade de concentração, depressão e perda de iniciativa.
Com Helloá não foi diferente. No relato abaixo ela conta como a síndrome atingiu seu corpo e mente, de tal forma que já não tinha controle sobre si mesma: https://soundcloud.com/site-o-elo/helloa-regina

Ilustração: Luiz Henrique Fernandes

Trabalho e estresse

A síndrome acomete pessoas que trabalham com pessoas. São profissões em que doar-se é a tônica. Médicos, enfermeiros, bombeiros, jornalistas, advogados, professores e bancários, entre outros, são considerados grupos de risco. Para a psicóloga e professora Cleusa Sakamoto, é possível entender a razão disso pela própria dinâmica da ocupação. “Quando eu trabalho com dados, com objetos, eu tenho um tipo de interação. Quando eu trabalho com pessoas a interatividade é muito mais complexa, muito mais exigente, ela introduz muito mais componentes emocionais”, diz.
Relatório feito com base em 20 mil entrevistas, o Medscape Physician Lifestyle Report 2015, concluiu que 46% dos médicos dos Estados Unidos têm burnout.
O maior gatilho para a síndrome é o trabalho — que, por outro lado, é o terceiro motivo que mais gera estresse entre os brasileiros. Não é à toa que o burnout é considerado uma doença ocupacional, já que as raízes da doença estão ligadas ao ambiente profissional. Contextos de cobrança, pressão e falta de perspectiva podem desenvolver o forte sentimento de exaustão emocional, ceticismo e baixa realização profissional — a tríplice de sintomas da Síndrome de Burnout.
O podcast Mamilos, no episódio #131, falou sobre o burnout e quais são os fatores que levam a ele. Uma soma de sintomas psicológicos e físicos, em um ambiente de extrema pressão, podem colocar a pessoa no limite. Confira abaixo o trecho do programa que lista os principais aspectos mentais: https://soundcloud.com/site-o-elo/mamilos-131-burnout

Cleusa Sakamoto reitera que o burnout é o estresse em seu último grau. Ele ocorre quando a pessoa ultrapassa o seu limite físico e mental. “É um estado de crise aguda, onde os sintomas são sensação de exaustão extrema física e mental, em que a pessoa sente que não pode fazer nada”, destaca. O resultado é um estado de incapacitação que consome todas as esferas do corpo humano.
A raiz do problema, o estresse, atinge 69% da população brasileira, de acordo com o Instituto de Psicologia e Controle do Stress (Isma-BR). Atrás apenas do Japão, o Brasil é o segundo no ranking de países com maior nível de estresse do mundo. Segundo a psicóloga, ele acontece em três níveis: alteração, manutenção e desorganização. No primeiro, o corpo envia os primeiros sinais, como ansiedade, falta de sono e preocupação mental repetida. O segundo é o aumento desses sinais. Se essa tensão persiste, a pessoa chega ao terceiro. A desorganização, quando intensificada, é o que leva ao burnout.
Isma-BR apontou que 97% das pessoas com a síndrome relatam ter exaustão, sem condições físicas e emocionais para fazer qualquer coisa.
“A pessoa para de dormir, fica extremamente irritada, briga com qualquer pessoa, não se alimenta direito, começa a ter enxaqueca crônica, úlcera, doenças psicossomáticas. O burnout é acompanhado de situações críticas na saúde física e emocional. Ela tem crises de choro ou explosões, mostrando que a coisa passou do limite”, indica Cleusa. Trata-se de uma doença incapacitante, impedindo até mesmo que a pessoa queira sair de casa.

Preconceito

Ranielle Cavacedo, 39, também é parte das estatísticas. Trabalhou em um grande banco brasileiro por 11 anos, no Rio Grande do Norte. Ao assumir uma promoção, passou a acumular funções que iam desde a supervisão do atendimento até a venda de produtos. Sob constante pressão, começou a sentir cansaço e exaustão em níveis muito acima do normal. Pontadas nos membros superiores e no peito, gastrite e dores no corpo tornaram-se rotineiras. Até que, durante uma avaliação médica de rotina, os sintomas indicaram o diagnóstico como Síndrome de Burnout.
“É um esgotamento total, contínuo, de você não ter forças nem pra se levantar de uma cadeira. Até levantar os braços incomoda”, revela. O bancário destaca como a doença impacta o psicológico de quem a enfrenta, além dos problemas físicos: https://soundcloud.com/site-o-elo/ranielle-cavacedo
Depois do atendimento inicial, Ranielle foi encaminhado a um psiquiatra, que solicitou uma licença médica como parte do tratamento. O banco demonstrou relutância quanto aos motivos que levaram o funcionário à licença. Parte dos colegas de trabalho também trataram o problema com desdém. O preconceito ficou mais claro do que nunca.
“As pessoas olham e você está aparentemente normal, falando, conversando, às vezes até rindo e elas acham que você não tem nada. É um preconceito grande. Eu me senti assim, lá no banco, como se eu estivesse inventando ou exagerando na doença. O meu próprio gerente falou ‘oh, eu olho para você e não vejo nada demais’”, relata Ranielle. No momento, ele está numa licença de seis meses e trata a doença com psicoterapia e consultas mensais ao psiquiatra.
A hostilidade em relação à síndrome não é isolada. De forma geral, as doenças mentais ainda enfrentam dificuldade para serem reconhecidas como tais. Às vezes por falta de informação, outras por falta de reconhecimento da própria medicina. A Síndrome de Burnout, por exemplo, ainda não entrou para o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM, na sigla em inglês), uma referência da psiquiatria.
Para a administradora e estudante de Direito, Helloá Regina, a aceitação da síndrome no trabalho é complicada. “Quando eu fui levar os documentos, os atestados, justificar porque eu estava me afastando, eu recebi uma rejeição terrível, principalmente no trabalho. Eles ficaram sem entender o que estava acontecendo e começaram a falar ‘Ih, ah lá, tá de frescura’, ‘não deu conta’, ‘é muito fraca’. Meus pais me entenderam maravilhosamente bem, foram muito compreensivos, mas o pessoal do trabalho nem um pouco. Me atrapalhou muito isso”, relembra.
“É muito tenso porque as pessoas têm preconceito com o que elas não sabem. E Síndrome de Burnout é uma delas”. 

Helloá Regina
Ilustração: Luiz Henrique Fernandes

Resiliência

O burnout é uma doença que chega sorrateira, vai se alastrando aos poucos, até consumir a pessoa por completo. É um processo de meses, até anos, até chegar ao grau mais preocupante: o colapso. Apesar de a maioria só notá-la quando é tarde demais, há sinais de alerta a serem levados em consideração. Confira quais são eles no trecho do podcast Mamilos, do episódio #131:
https://soundcloud.com/site-o-elo/mamilos-131-burnout-1


Problemas de relacionamento com colegas, clientes e chefes; a falta de cooperação entre os colegas de trabalho, de equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal e também de autonomia podem levar ao burnout.
Fonte: Hospital Albert Einstein
Uma vez identificados os sintomas físicos e mentais, o próximo passo é procurar ajuda de um especialista da área da saúde. Psicólogos e psiquiatras são os mais indicados para dar o diagnóstico correto. Só então o quadro poderá ser avaliado e direcionado para o tratamento, cujo método varia de acordo com o grau de cada paciente.

Psicoterapia, licença médica, mudança de hábitos e medicação são parte da estratégia, que visa, essencialmente, combater o estresse. Aos poucos, conforme a pessoa melhora, a intensidade da terapia vai diminuindo, até não ser mais necessária. Por isso, não há como dizer quanto tempo leva para se tratar do burnout — depende de como cada um reage e se comporta.
Muitas vezes, a própria personalidade da pessoa pode influenciar em como ela lida com a síndrome. A jornalista e professora Soraia Lima, por exemplo, sempre foi elétrica e propensa a fazer várias coisas ao mesmo tempo, além de gostar (muito) de trabalhar. Depois de tratar o burnout, aprendeu a equilibrar as necessidades do corpo e da mente com suas características. “Hoje eu consigo me controlar mais, consigo entender o que está ao meu alcance. Quando eu vejo que eu já estou com algumas características de uma nova crise de exaustão eu tiro o pé do acelerador”, conta.
Para o bancário Ranielle Cavacedo, o fator decisivo para mudar os hábitos foi incluir o lazer na rotina. Fazer coisas que dão prazer, por mais simples que sejam, pode fazer toda a diferença. “Estar com a família, estar junto dos amigos, viajar, sair mais nos fins de semana, tomar minha cervejinha. Eu procurei atividades que me relaxassem mais”, afirma.
Uma postura diante da vida e de nós mesmos também é crucial para evitar que o corpo e a mente cheguem ao limite. A psicóloga Cleusa Sakamoto reforça que devemos receber uma educação afetiva existencial desde cedo, incluindo pequenas reflexões na rotina: eu posso? Eu quero? Vale a pena? Está bom assim ou tem algo que eu queira mudar?
“Se você começa a nutrir uma atitude interna, para com você, sua vida e relacionamento de uma forma consciente, realista, eu acho que a gente ia evitar um monte de trabalho. E a gente ia perceber quando a coisa começa a ficar demais”, relata.
“A vida é um cenário complexo, existir é uma coisa e tanto”.

Cleusa Sakamoto

No Rio de Janeiro, Helloá Regina ficou um ano afastada do trabalho. Foi o tempo de aprender a encarar a vida de uma nova perspectiva. Trocou de emprego e deu início à graduação em Direito. Hoje, segue o tratamento em menor intensidade. Já Ranielle Cavacedo, da outra ponta do país, no Rio Grande do Norte, aproveita a licença médica para buscar uma nova profissão. Tem estudado para concursos públicos e dedicado maior tempo ao lazer. Em São Paulo, Soraia Lima continua workaholic, mas com plena consciência do que está acontecendo consigo, de quem ela é e até onde pode chegar.

As mudanças começam de dentro para fora. É preciso entender quais são os limites, o que o corpo precisa, respeitá-lo e tirar o melhor disso.


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Este blog é uma versão teste e provisória do Fapcomunica Online, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação

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