quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Mulheres nas Eleições 2018: conquistas e desafios da equiparação de gênero na política

Elas representam apenas 31,7% das candidaturas e 15% dos eleitos deste ano, mesmo que o eleitorado feminino seja de 52,5%

Por Isabella Bastos

Um dos marcos das Eleições Gerais de 2018 foi a participação efetiva das mulheres. Entre os feitos estão: o grupo de mais de 3,7 milhões de cidadãs que se uniram contra o então candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL) e a maior manifestação feminina da história do Brasil, o ato “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”; a determinação de porcentagem mínima do Fundo Partidário destinado à mulheres; o aumento significativo do número delas na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas; a primeira candidata indígena à vice-presidência e a primeira candidata travesti na disputa pelo Senado.

Para entender o contexto da presença das mulheres nas eleições deste ano, alguns fatos históricos devem ser lembrados. Conheça os passos dados por elas na política brasileira que garantiram os direitos das cidadãs, deram oportunidade para que suas vozes fossem ouvidas e instigaram mais representatividade dentro do Poder Público.

Fonte: Especial Mulheres na Política (Think Olga)

2018: o ano das mulheres

“2018 é o ano das mulheres” disse a vice-diretora do Departamento de Cultura e Comportamento da DW, Susanne Lenz-Gleissner, sobre o movimento #MeToo. A frase também pode ser aplicada quando o assunto é a eleição brasileira. Para começar, em maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantiu mais um direito às mulheres candidatas: pelo menos 30% do Fundo Partidário deve ser destinado às candidaturas femininas, a fim de dar mais efetividade à Lei, de 2009, que garante de 30% a 70% de candidatas por partido, mas não previa incentivo financeiro.

Em um seminário promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados em junho, a deputada Carmen Zanotto (PPS-SC) afirmou que a cota atualmente prevista na Lei dos Partidos Políticos é “injusta e insuficiente”. Neste ano, as estatísticas do TSE mostram que nenhum partido teve mais do que 40% de candidaturas femininas - nem mesmo o único partido de mulheres do país, o Partido da Mulher Brasileira (PMB), que registrou 277 candidatos e 182 candidatas. A sigla com menor representatividade foi a Rede Sustentabilidade (REDE), que coincidentemente indicou Marina Silva ao cargo de presidente. Ao todo, elas conseguiram ocupar apenas 31,7% das candidaturas.

Apesar disso, as legislações têm gerado melhora nos resultados das urnas. O número de mulheres na Câmara dos Deputados e nas Assembleias aumentou das eleições de 2014 para 2018. Neste ano, 77 mulheres foram eleitas deputadas federais, crescimento de 51% em relação à anterior. Mas ainda somam uma parcela muito pequena da Câmara: apenas 15%. Já nas Assembleias o número subiu de 119, em 2014, para 161, aumento de 35% - minoria em relação aos 898 homens eleitos deputados estaduais. No geral, o número de eleitas foi de apenas 15% do total.

As eleições de 2018 também tiveram grandes marcos para a representatividade feminina. Pela primeira vez na história dos homens e das mulheres na política brasileira uma indígena disputou a vice-presidência: Sônia Guajajara estava na chapa do PSOL ao lado de Guilherme Boulos. Joenia Wapichana, Erica Malunguinho e Duda Salabert também marcaram a eleição deste ano - Joenia como a primeira mulher indígena eleita deputada federal pelo estado Roraima; Erica como a primeira mulher trans na Assembleia de São Paulo e Duda como a primeira travesti a disputar vaga no Senado.

O Brasil continua em uma posição alarmante no levantamento sobre ocupação feminina nos parlamentos. De acordo com pesquisa realizada pelo Inter-Parliamentary Union – IPU, o país ocupa a 157ª posição no ranking de 193 países, com apenas 10,7% das cadeiras da Câmara dos Deputados preenchidas por mulheres. Este é o pior resultado da América do Sul e está muito abaixo da média mundial, que é de 24%.

Os resultados das eleições estaduais podem justificar a posição: 20 estados não elegeram mulheres ao Senado, sendo que três (Acre, Bahia e Tocantins) não contaram nem com candidaturas femininas e nenhum ocupou as duas cadeiras com mulheres. Veja quantas foram as candidaturas femininas, as vagas na Presidência, Senado, Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Governos Estaduais, e a quantidade de mulheres eleitas.

Fonte: TSE

#EleNão

O papel feminino nas Eleições 2018 não se limitou apenas às candidaturas e aos votos. Poucos meses antes das eleições, quase 4 milhões de mulheres se uniram no Facebook por meio do grupo secreto “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, em repúdio ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Em seu pequeno histórico de dois meses, a manifestação online ganhou notoriedade na mídia, sofreu ataques de hackers diversas vezes e criou a #EleNão - usada por celebridades nacionais e internacionais para se posicionar contra o candidato.

Por meio do grupo, as mulheres organizaram a maior manifestação feminina da história do Brasil, também contra Bolsonaro, em São Paulo e mais 400 outras cidades pelo país e pelo mundo inteiro, no dia 29 de setembro. Apesar de sempre realizar a contagem de pessoas em manifestações, a Polícia Militar do Estado de São Paulo não divulgou a dimensão do ato - o número não oficial de manifestantes no Largo da Batata, na capital paulista, é de 400 mil pessoas. 

As declarações de ódio e incentivo à violência, falas machistas, racistas, misóginas e homofóbicas despertaram a revolta das mulheres. Saiba quais foram os principais motivos que as fizeram ocupar as ruas contra Bolsonaro.



Representatividade importa

Apesar da população e do eleitorado feminino serem maioria no Brasil, nas Eleições 2018 apenas 31,7% (9.211) dos 29.090 candidatos eram mulheres. Das 47 entrevistadas nesta reportagem, 38 não se sentem representadas na política brasileira atual. 

Mas afinal, por que representatividade feminina importa?

Segundo o Especial Mulheres na Política Think Olga, que escutou diversas especialistas no assunto, para que as necessidades da população sejam vistas, essa diversidade precisa estar representada nos espaços de poder. “Dificilmente um homem privilegiado vai conseguir pensar nas necessidades de uma mulher de periferia ao pautar políticas públicas, pois eles não conhecem essa experiência”, explica o documento.

Beatriz Sanchez, mestra em Ciência Política e pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da Universidade de São Paulo (USP), afirmou ao Jornal do Campus da USP que as mulheres eleitas não representam 100% a população feminina brasileira. “Em alguns temas, a bancada feminina foi muito importante para a aprovação de projetos sobre direitos da mulheres. A ideologia do partido conta mais que o gênero. A bancada feminina representa os interesses das mulheres, com limites ideológicos”, diz.

O movimento Vote Nelas, a favor de mais mulheres na política, afirma que “aumentar o número de mulheres no legislativo resulta em representatividade efetiva, através da criação e aprovação de leis específicas para avanço e melhorias na condição feminina. Não se trata apenas de gênero, mas de olhar as necessidades das mulheres com atenção e qualidade”.

“Eu acredito que me se houvessem mais mulheres na política, mulheres feministas e que acreditam que nós podemos mais, seria bem diferente. No governo, ultimamente, os homens são tidos como preferências”, diz a arquiteta Nikole Oliveira, de 24 anos.

Algumas questões que as entrevistadas citam como tratadas com descaso pelo Poder Público atualmente são: saúde, segurança e direitos civis. “A violência doméstica foi completamente esquecida. Agora chamam atenção ao feminicídio, mas não há efetividade da lei. Os agressores não cumprem a pena e isso deveria ser discutido”, afirma a estudante de jornalismo, Mariana Massei, de 21 anos. “Além disso, escolas que tratem meninos e meninas com igualdade, desde o ensino fundamental, de maneira natural. Apenas assim para acabar com a cultura machista”, completa.

Machismo na política

Outro fator que pode afastar as mulheres dos cargos políticos é o machismo presente neste meio. “O machismo é uma coisa que está enraizada na política, então realmente ainda existem privilégios para os homens. As mulheres ainda não encontraram espaço na política brasileira”, afirma Eliane Costa, de 55 anos, que concorreu a uma vaga na Câmara dos Deputados pelo partido Democracia Cristã (DC).

Para Nina Rodrigues, de 22 anos, que se candidatou a deputada estadual em São Paulo, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), quando uma pessoa entra na política, tem que sustentar suas opiniões e projetos com firmeza, mas isso é encarado de maneiras diferentes dependendo do sexo. “Quando os homens se manifestam e são incisivos nas suas decisões, eles são lideranças, e quando as mulheres fazem isso, são histéricas, mandonas”, afirma.

Ela destaca ainda que a então candidata à vice-presidência, Manuela D’Ávila, também do PCdoB, foi interrompida diversas vezes em entrevistas e muitas vezes foi questionada sobre sua vida particular, sua filha e seu marido - questões que, segundo ela, não são feitas aos homens.

Eliane destaca que o preconceito não é apenas contra as mulheres, mas também contra aqueles que são considerados menos entendidos do assunto. Ela afirma que não sofreu preconceito durante as eleições por ser uma mulher “independente, que enfrenta, encara e diz não”.

Voto feminino

Afinal, quais medidas são necessárias para que as mulheres se interessem mais por discussões políticas, tenham mais vontade de entrar na vida pública e votem mais em mulheres? 

De acordo com a cofundadora do Vote Nelas, Duda Alcantara, a aproximação de mulheres aos assuntos políticos está diretamente ligada a presença delas nos cargos públicos. Para aumentar o número de eleitas, ela acredita que a melhor ferramenta seja a conscientização sobre a posição do Brasil no ranking global de representatividade feminina nos parlamentos.

“Tem um exercício que a gente sempre faz no Vote Nelas que é: ‘fecha os olhos e imagina uma Assembleia. Quem são as pessoas que estão lá?’. No imaginário vem imediatamente homens velhos,  que estão lá há muito tempo, que são de família política, homens brancos. Não tem essa diversidade e uma vez que  a gente não se vê pertencente a esses lugares de tomada de decisão, se mantém afastado disso”, conta. 

Duda declara posição favorável às cotas, como tempo mínimo de campanha na televisão e outros mecanismos para analisar a cota de 30% do fundo partidário. “Foi como a Argentina e a Arábia Saudita conseguiram trazer um pouco mais de equidade entre homens e mulheres”, diz. Além disso, ela afirma que ONGs, nacionais e internacionais, precisam de verbas para motivarem, formarem e darem mais oportunidades para as mulheres e isso é possível por meio de fundos de grandes empresas e editais.
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